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Publicado: Sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Escritor biodegradável

Ascensão e queda de um bestseller corporativo segundo o próprio autor. Fábio Steinberg

A escalada

Era certo. A trajetória do meu livro Ficções Reais, publicado em 2000, seria um sucesso. A obra nascera a partir de textos elogiados, que saíram durante um ano em Exame, a principal revista de economia e negócios do país, combinados a outros inéditos. A edição caprichada era da Campus, líder de mercado, feita por gente que entende do assunto. O prefácio do então diretor de redação de Exame Paulo Nogueira (“Os textos de Fabio deveriam ser leitura obrigatória nas empresas. Porque eles não fazem apenas rir. Eles levam você a pensar sobre você mesmo e a empresa na qual trabalha”), e os comentários generosos de gente respeitada antecipavam um ótimo índice de leitura. “É leve, agradável, divertido. Sugere autocríticas importantes, sejam pessoais, corporativas, ou sistêmicas”, registrava já na primeira página do livro o empresário Antônio Ermírio de Moraes. “Manejando a linguagem com habilidade e sabor, Steinberg nos conduz em uma viagem por esse corpo tão próximo e ao mesmo tempo tão desconhecido de todos nós. É um raio-x da moderna empresa, com seus fracassos e sucessos...” – complementava a seguir o jornalista Boris Casoy.

Como se não bastasse, Veja, maior revista do país, dedicara à obra nada menos que seis páginas. “Quem já pendurou no peito o crachá de uma empresa, com foto e número de identificação, sabe que a vida corporativa tem seu lado teatral – como toda e qualquer atividade humana organizada coletivamente, seja na escola ou na família. Mas, vistos em grupo sob a ótica crítica de Steinberg, os "seres corporativos" parecem mais pérfidos que as demais pessoas. E nesse aspecto está o lado caricato e engraçado do livro”, afirmava a matéria.

A tudo isto, vieram a somar-se nos dias seguintes críticas positivas nos principais jornais, revistas, televisão, internet, e rádio. Falei em bate-papos, inclusive o da UOL, onde até cheguei a manter uma presença semanal e um site ativo com o nome do livro, incluindo interação com internautas etc. Dei várias entrevistas em rádio e em televisão. (Como exceção, tentei também o programa do Jô Soares duas vezes, sem sucesso. Na primeira ocasião, a produção não aceitou porque o livro ainda não havia sido publicado. Na segunda, por incrível que pareça, porque o livro já havia sido publicado.) Jamais recebi um comentário negativo ao livro nesta andança pela mídia. E já que estamos falando a verdade, descobri nesta peregrinação que a maioria dos entrevistadores, repórteres, editores, sequer leu uma página do que escrevi. As perguntas eram invariavelmente pouco criativas, do tipo “do que se trata mesmo sua obra?”. O que era a senha que eu precisava para desencadear um quase-monólogo já memorizado, onde deixava o meu lado, digamos literário para fazer uma espécie de discurso vendedor - de olho igual na fama e na caixa registradora.

O livro foi lançado com pompa e circunstâncias, com casas cheias, tanto Rio como São Paulo. Até a revista Caras registrou. As vendas não decepcionaram. De uma edição de 3 mil exemplares, em pouquíssimas semanas sobrou um ínfimo estoque, de apenas 400. Eu, nas nuvens, era convidado para mais entrevistas, palestras, chás beneficentes, eventos, autógrafos. Até já se falava numa segunda edição.

Do céu ao inferno

De repente, a fama instantânea dá sinais de esgotamento. O presságio: os malditos 400 livros teimam em resistir nas prateleiras da editora. Ninguém compra. Com medo da palavra encalhe, mas diante da factual e constrangedora sobra, nos primeiros dias eu ligo para o publisher. A seguir, diante do seu silêncio, tento a sua secretária, o gerente de vendas - até que ninguém mais me atende por lá. O que deu errado? Faltou divulgação? Falhou a distribuição? A exposição do título nas livrarias foi reduzida, ou inadequada? Alguma declaração desastrada? Ou um mero erro de classificação ou omissão nos catálogos das livrarias? Só sei que para mim e os primeiros (únicos?) 2.600 leitores que investiram 25 reais na compra da obra literária, aquilo foi um ultraje. Uma afronta à motivação de um novo autor... que até poderia pensar em fazer disto uma carreira lucrativa.

Demorou, mas uma hora entendi que o meu tempo passara. O livro, que chegou a ocupar nas primeiras semanas uma posição dos dez mais vendidos na área de negócios, desapareceu da lista com a mesma velocidade com que surgiu. Na decadência literária, senti-me como vela no final de pavio. Eu vivia os últimos momentos de fama. Rejeitando o destino traçado, enganando a mim mesmo, procurei estender artificialmente este estado terminal da glória. Queria adiar ao máximo o prazer, ganhar mais uns minutinhos desta deliciosa “egotrip” que se extinguia diante dos meus olhos. Para isto, inventei promoções, como conferências (nesta altura, gratuitas – aprendi que não se paga para ouvir um ex-famoso) seguidas de vendas do livro. Mesmo diante de todas as iniciativas, nada fazia o termômetro das vendas se mover, e lá estava, praticamente intacto, o inventário dos 400 exemplares que não interessavam mais a ninguém.

Um dia, a editora, que, diante do longo período de inanição previsto, por precaução mandara plastificar cada unidade para evitar que traças comessem o papel, resolveu baixar o valor do livro para R$ 9,90. Quase perdi o juízo. Foi quando tive a maquiavélica idéia de comprar, pouco a pouco, o meu próprio livro. Por que não? Criar uma demanda, e a partir dela, inchar estatísticas de vendas, gerar um círculo virtuoso do consumo, motivar livreiros e leitores. Não deu certo. E só serviu para criar uma situação ridícula: passei a receber direitos autorais de minhas próprias aquisições. Ali, fechei o ciclo: escrever, comprar, lucrar. Sim, pois a cada livro vendido pingavam cinqüenta centavos no meu bolso. Sem saber o que fazer com os próprios livros que ganhava de mim mesmo, eu me tornei um daqueles chatos que oferecem aos amigos e conhecidos de primeiro contato um exemplar autografado de sua obra, sem dar tempo de saber se interessava ou não. Mas pelo menos o estoque agora se reduzia. Devagarzinho, é verdade, a uma taxa de vinte livros por semestre. O que significava que ao final de um ano a editora ainda teria 360 livros. As projeções eram pra lá de pessimistas: neste ritmo, o livro só se esgotaria em 9 anos. Na minha cegueira pelo sucesso, tomava este prognóstico como um alento: afinal estava perpetuando uma obra que, de outra forma, se esgotaria,

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