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Publicado: Sábado, 30 de janeiro de 2010

Entre vizinhos

Difícil é encontrar alguém que não reclame de alguma coisa. Um velho amigo - já na casa dos 70 anos - me contou sobre a vez que entrou num ônibus urbano e deu de cara com a juventude refestelada nos assentos reservados aos idosos. Fez um fuá. Até parar o veículo parou.

Outro reclamava da demora no atendimento nos bancos, que separam os clientes estrelados dos meros mortais, que “apenas” pagarão suas contas. “Só um caixa pra tanta gente”, gemia inconformado. Não teve dúvida. Conquistou a adesão da fila em que se encontrava e despencaram todos na gerência. Instalou-se um clima de terror, um certo mal-estar, mas um segundo caixa foi disponibilizado, para alívio geral.

Reclama-se de tudo: do calor, das enchentes, dos baixos salários, da alta dos hortifrutis, do câmbio, do mau hálito do chefe e dos vizinhos. A população se manifesta em frente às Prefeituras, no Congresso, nas Câmaras, com faixas, cartazes, vaias ou aplausos. Faz greves, deixa de comprar batata (usa mandioca, ora!), oferece balinhas de hortelã para o patrão, liga para o 190, para o síndico, se morar em condomínio ou para a Prefeitura, para reclamar da “alegre” vizinhança. Todos têm o direito de reclamar e, o mais importante, de serem ouvidos e/ou atendidos em suas reivindicações.

Para os mais jovens que não atravessaram uma ditadura, como a que houve no Brasil entre 1964 e 1985 - período em que até pensar era perigoso, pois as liberdades individuais foram extintas, talvez seja difícil imaginar o que é um país sem democracia. Ainda assim, certamente aprenderam nos bancos escolares que centenas de brasileiros desapareceram e foram torturados em nome dessa democracia que hoje vivemos e que nos garante, justamente, o direito de reclamar e procurar resolver, de forma pacífica, nossos descontentamentos, desavenças e expectativas. 

Os problemas surgem quando os cidadãos confundem o livre exercício de seus direitos com truculência, numa clara demonstração anti-democrática, por se esquecerem que o seu próprio direito termina exatamente onde começa o do próximo.

Vizinhos se amam ou se odeiam, dependendo do momento em questão. Para os que vivem em condomínios, os sentimentos mudam ao sabor de cada nova reclamação. Os favorecidos enaltecem o reclamante, que, por sua vez, é apedrejado pelo(s) infrator(es).

Embora todos os moradores de um condomínio - seja vertical ou horizontal - recebam uma cópia do regulamento que rege as unidades, raríssimos empregam algum tempo para conhecer as regras do local onde moram. É um tal de estender tapetes nas janelas, deixar o som alto dia e noite, fezes de animais pelas ruas internas etc.

O formidável e digno de nota é que o reclamante se torna “delator” e, o pior: o faltoso, quando advertido ou multado, entende que a falta é da vítima. Nunca mais olha para a cara do vizinho. Difícil é conviver entre tantas paixões, ou melhor, entre indivíduos que exigem seus direitos sem sequer saberem quais são.

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