Enfoque da cultura nacional e a questão da cultura
Para se entender o enfoque da cultura nacional em Nelson Werneck Sodré, e sua defesa das raízes populares da cultura brasileira, é preciso, antes de tudo, levar em conta o contexto dos sucessivos embates por ele travados, nas diferentes trincheiras da vida cultural e política do Brasil.
É preciso também levar em conta que esses termos foram elaborados no processo particular de sua inserção no meio intelectual e cultural de sua época. O mais importante não é discutir termos e classificações, mas entender a linha geral de sua proposta cultural. Sua perspectiva a este respeito se enraíza em sua análise de nossa formação histórica e cultural, e numa proposta para que nosso desenvolvimento servisse às necessidades sociais e nacionais e não aos interesses de uma minoria ou do capitalismo internacional.
Ele parte da ideia que os alicerces da sociedade brasileira foram construídos pela colonização européia com base na transplantação para o nosso território dos traços da sociedade colonial metropolitana e do escravismo, pelo governo colonial aqui introduzido1. Seu conceito de cultura transplantada se refere, portanto, ao fato de a cultura brasileira ter sido trazida do exterior tanto pelos senhores como pelos escravos, no processo da colonização do Brasil.
Desde seu início histórico, a cultura brasileira foi, portanto, uma cultura transplantada, mas ela se desenvolveu em três etapas: a etapa da cultura colonial, a da cultura de transição e a da cultura nacional. Partindo desse enfoque é que ele orienta sua luta por uma transformação do país ancorada no fortalecimento da cultura nacional e na ampliação da democracia.
Nelson Werneck Sodré considera que o esforço para a apropriação de uma cultura política, artística e literária gerada no estrangeiro produziu, desde o início de nossa formação até hoje, sérios problemas de adaptação cultural para a nossa realidade e, por consequência, a nossa alienação.
Para ele, o grande problema dos países de passado colonial consiste em criar uma economia, uma política e uma cultura nacionais. Considera que quaisquer que sejam os altos índices de desenvolvimento – e altos índices foram também produzidos pela economia açucareira ou mineradora colonial - uma sociedade pode apresentar características de alienação e de subordinação colonial, necessitando uma ruptura mais profunda com o passado colonial para estabelecer novos e próprios fundamentos. Salienta que para isto é preciso criar uma cultura nacional, o que depende para ele da expansão do sistema democrático, da liberdade de pensamento, de expressão e de comunicação.
Ao estudar historicamente a formação do Brasil, ele vai desvendando sua origem nessa grande empresa econômica, social e política transplantada para o território colonial. Da mesma maneira, indica que a cultura brasileira foi inicialmente importada ou transplantada, sendo desde sua origem marcada pela alienação em relação às condições de vida locais. Com base na análise do amplo e profundo processo de transplantação, é que ele valoriza o surgimento de uma cultura propriamente nacional, na terceira etapa do nosso desenvolvimento cultural, indicando como a formação desta etapa acompanha o alastramento das relações capitalistas em nosso país, cujo marco fundamental é a Revolução de 1930 e a ascensão da burguesia ao poder.
Tendo analisado esta questão em seu livro “Síntese da História da Cultura Brasileira”2 , nele o autor defende a ideia da fundamental importância para o desenvolvimento brasileiro de uma cultura nacional que reflita a maneira de viver do povo brasileiro.
Prosseguindo essa análise em outros livros, como “A Farsa do Neoliberalismo”3 , ele descreve e critica o modo como se implanta, no Brasil, a ideia da globalização e de um mundo unificado sob a supremacia absoluta do mercado e das normas capitalistas regidas pela política e pela cultura das nações mais desenvolvidas. Com a acentuação do processo de globalização, conceitos como o de nação, de povo e de soberania passam, então, a serem postos em causa. Nelson Werneck Sodré defende, ao contrário, a ideia que os projetos de desenvolvimento devem respeitar nossas particularidades nacionais.
Muito importante para a compreensão de sua abordagem das raízes populares da cultura nacional é o destaque por ele dado ao surgimento precoce de uma camada intermediária, a classe média ou pequena burguesia, antes mesmo da constituição de uma burguesia brasileira.
Os representantes dessa camada intermediária foram os responsáveis pela elaboração de valores políticos e estéticos oriundos do avanço da burguesia, no Ocidente europeu4 . Grandes artistas surgem dessa camada, muitos deles com origem na gente escrava, os humildes artesãos que trabalharam na construção do patrimônio artístico e cultural do período colonial. O autor reconhece neles o traço original brasileiro, de onde partirá o fio da autêntica e específica cultura que um dia virá a ser nacional, quando o rosto da nação brasileira estiver esculpido.
É nesta camada intermediária que a cultura encontra clima e se desenvolve ao mesmo tempo em que o conhecimento começa a encontrar espaço para ser cultivado, originando uma “classe culta”5 . As raízes do confronto entre uma cultura nacional de raízes populares e uma cultura cosmopolita de elite vêm, portanto, desde essa época, no final do século XIX, chegando até o século XX.
O traço essencial da etapa histórica que se inicia em 1930 é a aceleração do desenvolvimento e a intensa transformação social do Brasil. O autor distingue duas fases deste período: a que vai até 1945, marcada por grande efervescência política e por uma luta ideológica intensa; e a fase posterior à Grande Guerra, após 1945, cuja característica mais evidente é a da formação de uma cultura de massas, na qual os gostos, preferências, hábitos, valores, ideias, atitudes e comportamentos são condicionados pelos meios de comunicação.
O desenvolvimento dessa cultura de massas é analisado, nas seguintes áreas artísticas e intelectuais: cinema, rádio, televisão, música, teatro, artes plásticas, universidade, imprensa e livro. Esta análise lhe permite concluir que o problema inicial da cultura brasileira é o da retomada da liberdade de pensamento e expressão, sem a qual não há condições de desenvolvimento cultural autêntico.
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