Colunistas

Publicado: Quarta-feira, 7 de julho de 2004

Efeito Cazuza

Fui assistir ao filme "Cazuza - O Tempo Não Pára" por pura admiração pelo poeta. Sou fã de suas músicas. Adoro "Codinome Beija Flor", "O Nosso Amor a Gente Inventa", "Ideologia", "O Tempo Não Pára" e tantas outras canções que embalaram minha pacata juventude. Até a sua interpretação do clássico "O Mundo é Um Moinho" é surpreendente!

Durante a exibição do filme cantei, batuquei no braço da poltrona, me surpreendi com o trabalho do ator Daniel de Oliveira (que em certos momentos chega a confundir quem tem a fisionomia e os trejeitos do cantor guardados na memória) e com a competência técnica e artística da produção. Mas o que mais mexeu comigo foi mesmo a história de vida de Cazuza. O moço era um dínamo.

Inquieto, visceral, emocional e festeiro, Cazuza não deixava nada pra depois. Se um moço bonito lhe lançava um olhar, ele ia lá e lhe oferecia afeto; se era uma moça que lhe despertava tesão, também; se gostava de whisky, bebia tudo no gargalo; se queria euforia extra, fumava e cheirava; se gostava dos amigos, dava-lhes beijos e abraços; se queria loucura, subia no parapeito da ponte Rio-Niterói; se o rock’n’roll lhe cansava, gravava blues; se estava inspirado, compunha e cantava como poucos de sua geração... Cazuza viveu intensamente e morreu por conta disso. E aí cabe a pergunta: não é isso que vale a pena?

Tomando as devidas proporções e sem entrar no mérito de suas escolhas, Cazuza não mediu esforços para fazer o que lhe dava prazer. Não deixou de amar ninguém, nem de fazer o que lhe dava vontade e o que é mais importante sem prejudicar ninguém - além dele mesmo. Morreu jovem, mas morreu feliz. E não é isso que importa?

Tem gente que prefere viver até os 100 anos levando uma vidinha medíocre, abrindo mão da felicidade em detrimento dos outros. Vivemos em uma sociedade que cobra demais, que vigia, que policia, que manipula cada gesto, cada opinião, cada sentimento... São raros os que, como Cazuza, fazem o que lhe dão na telha, sem se incomodar com o que os outros vão pensar. É claro que isso tem um preço, já que você pode ser amado ou odiado como consequência. Mas será que não vale a pena correr riscos em busca da satisfação, da alegria? Veja bem: não estou credenciando o comportamento marginal de Cazuza como passaporte para a felicidade, mas parar de supervalorizar a opinião alheia pode ser uma saída para a realização pessoal.

Ser refém do dedo que a sociedade aponta e julga os "diferentes" pode acarretar frustação, mágoas e ressentimentos. O gosto do sonho não realizado por falta de coragem, de risco, de ousadia, é amargo e corroe a alma até o final dos dias. Cazuza revoltou-se com a doença que lhe encurtou a vida, que impediu que suas vontades fossem realizadas, mas morreu contente porque até onde dependeu apenas de si mesmo, havia conseguido ser feliz.

O efeito Cazuza é devastador. A gente sai do cinema com uma estranha sensação de que ser dono do próprio nariz é primordial quando se quer ser uma pessoa de bem com a vida, capaz de conduzir seu próprio destino independente do que a sociedade acha ser certo ou errado. Evidentemente que é preciso se levar em consideração as pessoas que nos querem bem e se preocupam conosco, como pai e mãe, mas como indivíduos que somos, temos direito de lutar pela felicidade que é pessoal e intransferível. E foi essa lição que Cazuza nos deixou - além de um legado de obras-primas musicais.

Viva Cazuza!

Comentários