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Publicado: Quarta-feira, 7 de junho de 2006

É o tempo o senhor da razão?

Não sei se é bem assim, mas dizem os historiadores que é preciso se distanciar dos fatos, sair do centro do furacão e deixar passar algumas décadas, talvez até mais do que isso, para entender melhor e mais profundamente um acontecimento, um conjunto deles ou um determinado período histórico.
Creio que deve ser assim mesmo: o cenário político atual é um belo exemplo que aponta para essa necessidade; não há como compreender certos fatos dessas últimas semanas no presente momento. Creio que só vamos entendê-los dentro de algumas décadas. Vamos a eles. Ao ler os jornais desses dias e também aqueles de semanas anteriores, até o período no qual ocorreram as rebeliões nos presídios e, simultaneamente, as ações de vandalismo praticadas por alguns dos membros do PCC ou por elementos mandados pelo "partido", encontramos com freqüência e com destaque as considerações do atual governador do estado de São Paulo, Cláudio Lembo, que afirmou que o problema da violência no Estado só será resolvido quando a "minoria branca" mudar sua mentalidade. "Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa", afirmou Lembo. E continuou: "A bolsa da burguesia vai ter que ser aberta para poder sustentar a miséria social brasileira no sentido de haver mais empregos, mais educação, mais solidariedade, mais diálogo e reciprocidade de situações".
Pensem bem, é possível acreditar que uma afirmação como essa foi proferida pelo atual governador? Se não conhecêssemos o passado político de Lembo, ou se a frase nos fosse colocada sem a citação do autor, diríamos que é uma afirmação de algum membro de um partido de esquerda, PSTU ou PSOL. Talvez pudéssemos atribuí-la à Senadora Heloisa Helena ou, quem sabe, ao Plínio de Arruda Sampaio, ambos do PSOL. Não, não foi engano dos jornalistas, a frase é mesmo do governador Cláudio Lembo, um ex-integrante da Arena e, posteriormente, do seu sucedâneo, o PDS, partidos que deram ampla sustentação ao regime militar instalado em nosso país em 64. Pergunto aos meus botões: será que é possível uma pessoa mudar tanto assim em termos ideológicos? Pergunto também por que o Sr. Cláudio Lembo, figura ilustre no cenário político paulista, ex-reitor da Universidade Mackenzie, não se colocou nesses termos em outras ocasiões nessas últimas quatro décadas?
Podemos imaginar que esse é um fato isolado, que não merece maior atenção; talvez tenha sido um momento de delírio do governador. Mas, vamos em frente. Também foi noticiado nos jornais desses últimos dias que o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, recebeu no Planalto o ex-governador Orestes Quércia, para uma conversa com vista a um acordo para as próximas eleições. E sabemos também que Quércia está sendo cortejado pelo PSDB, para se compor com Serra. Como compreender esse atual pragmatismo petista? Isso me faz lembrar dos anos noventa. Lembro-me de que, naquele período, Quércia era considerado ladrão, corrupto e também recebia outros adjetivos desse naipe por parte dos companheiros petistas. E agora? A história mostrou que o Quércia não era nada do que se afirmava? Foi o distanciamento, depois de 10 anos, que permitiu então que se pudesse enxergar as qualidades socialistas do "companheiro" do PMDB? E o PSDB que, se não me falha a memória, foi fundado por Montoro e alguns outros social-democratas, justamente porque eles consideravam que o PMDB já estava bem desfigurado e também porque Quércia dominava a máquina do partido no estado de São Paulo. Lembro-me de que, até tempos bem recentes, também os tucanos queriam distância do ex-governador.
Confesso que minha bússola anda meio biruta; não sabe mais onde está o Norte. Espero compreender isso tudo daqui a uma década. O grande problema é que a eleição é agora, em novembro. Em quem depositar nossos sonhos e nossas utopias?

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