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Publicado: Sexta-feira, 14 de junho de 2013

E agora, José?

E agora, José?
Não consigo compreender a permanente intolerância social, seja ela política, religiosa ou cultural.

O silêncio ajuda-me a pensar. Não o silêncio do mundo externo ‒ tão raro, raríssimo ‒, nesta fábrica de obsessão, carência, ansiedade e compulsão que é o nosso mundo atual. Mas o silêncio interior, aquele que nos permite ouvir os sentimentos... 

Tenho ouvido meus sentimentos diante das últimas notícias veiculadas na mídia.  As manifestações de violência, fora ou dentro do país ‒ como na maratona de Boston ou nas brigas de vizinhos em prédios de São Paulo ‒ são testemunhas de que a selvageria humana não tem fim. Não consigo compreender a permanente intolerância social, seja ela política, religiosa ou cultural. 

Recentemente, a artista plástica tcheca Helga Weiss, incomodada com a intolerância chegando a graus extremos em nossa sociedade, lançou o livro: “O Diário de Helga”, no qual relata as privações que sofreu na Praga ocupada pelos nazistas e expõe a barbárie que testemunhou nos campos de Terezín e Auschwitz. Seu desejo? Relembrar o sentimento de horror que o ódio alimentado pode causar. 

Horroroso é também o mundo que apresentamos às nossas crianças. Toda vez que a televisão estampa imagens de violência e dor, de sangue e terror, sinto uma profunda vergonha da vida que fizemos e das atitudes que tomamos. E penso que, um dia ou outro, teremos de nos explicar à geração futura.  

Como gerar credibilidade ao exercício do diálogo frente aos problemas da vida, com imagens de intolerância e ódio invadindo a nossa casa? Como praticar a boa convivência frente ao número de mortes após assaltos, que só neste ano aumentou 74% na cidade de São Paulo? 

Confesso-me desanimada e triste ao constatar que tantos esforços na tentativa de formar indivíduos do bem, como as práticas de assembleias nas escolas para melhor aprender o significado de coletividade; jogos e atividades estimulando o bem-estar; combinados e conversas de incentivo à boa convivência, podem ser todos em vão. 

Nikolai Popov, escritor e premiado artista gráfico russo, quando descreveu no seu livro infantil cenas de horror e violência entre um ratinho e uma rã, nos fez pensar sobre a intolerância numa linguagem bem simples: na sua história, os dois bichinhos travam uma verdadeira guerra, destruindo todas as flores do campo e as próprias vidas na disputa por uma mesma flor de um imenso campo florido.Diferente da maioria das histórias que apresenta um final feliz, o autor encerra sua obra com uma desconfortável pergunta: Por quê? 

Provavelmente, sua intenção tenha sido provocar no leitor a inconformidade pela destruição e pela ausência de explicações. Apesar da igual sensação de impotência, a diferença entre a história infantil e a nossa realidade é que o ratinho e a rã de Popov moram na imaginação... Na vida real, nem mesmo as histórias do Diário de Helga ‒ revelando o sentimento de uma menina sobre a vida em um campo de concentração ‒ têm conseguido evitar o sofrimento e a morte de pessoas inocentes. Séculos de conhecimentos de nada têm servido para nos ajudar a viver e a conviver em paz.  

E agora, José?  Que explicações daremos às nossas crianças? 

 

 

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