Dona Julia
Ela abriu a porta com uma vassoura na mão. A figura ereta e de olhar bondoso sorriu, e me cumprimentou.
- Bom dia!
- Bom dia. Passei pra saber como a senhora estava.
- Entra. Só não repara, porque estou fazendo uma limpezinha – falou dona Julia - apontando para um montinho de pó no chão. A diarista vem uma vez por semana, mas preciso dar umas varridas de vez em quando.
Hoje cedo fui tomar a injeção de vitamina, continuou animadamente.
- De táxi?
- Só na ida. Voltei de ônibus. O ponto fica bem na frente do hospital e desço bem pertinho daqui. Aí, aproveitei pra passar no mercado e comprar umas bobagens.
- Sua amiga não a acompanhou?
- Que nada! Lá não falta companhia nem assunto. Sabe qual é o assunto? Só doença! – disse, com bom humor.
Você ainda não conhece a minha casa, né?
Sem esperar resposta, conduziu-me gentilmente pelos cômodos e pela vida, registrada nos porta-retratos.
- Ah! Esse é o meu filho mais velho, minha nora, as duas netas – falou, apontando para a fotografia.
Olha o meu marido aqui, nessa outra! Quando tiramos essa foto, a gente ainda nem era casado.
Um jovem casal me espiou pela moldura, contando de um tempo que não mais existia.
- Sabia que minha mãe ficou brava comigo por causa desse retrato? Estávamos sentados numa mesinha baixa e pequena. Eu de um lado e ele do outro, um pouco juntos. Pois minha mãe cismou que eu estava sentada no colo dele, exclamou com um sorrisinho maroto.
Imagina! – Completou. Naquele tempo a gente nem pegava na mão antes do casamento.
Lembranças felizes, extraídas de uma jornada de 84 anos.
Por escolha, dona Julia mora sozinha. Costureira ao longo da vida, já não mais exerce o ofício, devido ás mãos ligeiramente trêmulas, segundo ela.
Mãos que cozinham, limpam e fazem deliciosos bolos. Mãos que ainda se estendem para novas amizades, contempladas com a sua generosidade e o seu exemplo.
Vida longa, dona Julia!
Conteúdo: Idoso; independência.