Colunistas

Publicado: Sexta-feira, 16 de junho de 2006

Dom Amaury, descanse em paz, depois de seu bom combate!

Combati o bom combate, terminei minha carreira, guardei a fé (2Tm 4,7).

Com estas palavras de Paulo, dom Amaury entregou-me a Diocese de Jundiaí em fevereiro de 2004. Não incluiu as palavras terminei minha carreira, porque entendia, e era verdade, ainda não era encerrado seu tempo de labor. Haveria de continuar trabalhando por Cristo, em união com o seu sucessor, da forma que pudesse, na condição de bispo emérito. Realizou seu propósito, colaborando comigo, num espírito de autêntica fraternidade. Não cessou de celebrar festas, crismar, fazer palestras e dar cursos. Não interrompeu o trabalho de escrever livros e artigos semanais, exercendo sua vocação de grande comunicador cristão.

No mês de abril último, pude prestar-lhe singela homenagem, conferindo o seu nome à sala de multimídia por mim ampliada na Cúria Diocesana, inaugurando seu retrato para que as gerações futuras pudessem saber e agradecer tudo o que este pastor e jornalista fez pela Igreja. Dom Amaury, conhecedor pleno de seu estado delicado de saúde, em discurso de agradecimento, leu novamente o trecho da carta de Paulo, porém, desta vez, referindo-se às palavras terminei minha carreira. Falou de sua enfermidade, dos trabalhos que pôde realizar através da mídia e se colocou serenamente nas mãos de Deus para a hora que Ele o quisesse chamar. Afirmou que ultimamente rezava todos os dias o Fiat voluntas tua - seja feita a tua vontade. E continuou dizendo: “o meu atual limitadíssimo estado de saúde antecipa-me que logo mais estarei terminando a minha carreira, a minha vida, a minha vocação”. É natural que não soubesse quando seria o seu desfecho, mas relendo seu discurso, pode-se perceber que nos segredos de Deus estava alguma espécie de prenúncio, quando terminou sua palavra com os seguintes termos: Feliz Páscoa! Toda glória a Deus, ao seu Filho Jesus Cristo e ao Espírito Santo ‘alma que dá vida à Igreja e força à Palavra dos que evangelizamos’”. A referência especial ao Espírito Santo antecipava, quem sabe, que ele seria chamado à casa do Pai na semana preparatória de Pentecostes.

Aos 78 anos de idade, 54 de sacerdócio e 29 de bispo, ele partiu certo de que combateu o bom combate e guardou intacta a fé. É reconhecido pelo episcopado como um pastor intrépido, batalhador de Deus, defensor incondicional da ortodoxia, homem da Igreja, pessoa humana de alma transparente que nunca escondeu nada a ninguém o que pode se constatar pelo seu último livro Diário de um Bispo Emérito, publicado um dia antes de sua internação hospitalar a 9 de maio passado.

Se tivesse de escolher um epitáfio para a sua lápide não duvidaria em escrever: Dilexit Ecclesiam. Ele amou a Igreja.

Não poderia deixar de narrar aqui a mística experiência que o favor de Deus me proporcionou ao acompanhar seus momentos finais. A 31 de maio, quando a Igreja celebra a Visitação de Maria, teve início o seu desenlace. Plenamente consciente, rezou demoradamente comigo, balbuciando palavras santas, entre as quais as orações introdutórias da missa em latim “Introibo ad altare Dei”; a que eu respondia “Ad Deum qui letificat juventem meam”. Entrarei para o altar de Deus, do Deus que alegra a minha juventude. Ao meio-dia, rezamos juntos o Regina Caeli. “Rainha do céu, alegrai-vos, pois o Senhor que merecestes trazer em vosso seio, ressuscitou como havia dito. Aleluia!” Disse depois várias vezes, sempre em voz muito baixa, “Pax Vobis”, paz a vós, e pedia pela paz mundial, para que acabem as guerras. A paz, a paz, a paz repetia pausadamente.

Mas o Senhor não o levou ainda naquele dia. Esperou que surgisse a aurora do dia de São Justino, o destemido defensor da Verdade de Cristo. Aguardou que chegasse o primeiro dia de junho, mês consagrado ao Coração amoroso de Jesus, como que num gesto de carinho ao dileto filho que escolhera para morar, em seus últimos anos, as dependências do Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em Itu. Ao expandir dos raios de sol da manhã da quinta-feira, dia eucarístico, chegou para ele a hora de Deus. Quando os ponteiros do relógio marcavam 8h10, exalava seu último suspiro o incansável apóstolo. Morreu plácida, serena e santamente, tendo, à mão direita o santo crucifixo.

Ao findar o tempo pascal, entra para a companhia dos santos, realizando a oração de São Gregório Nazianzeno: “Possais acolher-nos, por nossa vez, na vida eterna, no momento em que vos aprouver, depois de nos terdes guiado e deixado viver neste mundo pelo tempo que vos parecer útil e salutar. Quem nos dera nos encontrardes preparados pelo vosso santo temor, sem perturbação, sem hesitação, no último dia (Oração pelo Irmão Cesário, 24).

Realizava também a oração do próprio Cristo, registrada no Evangelho de São João: “Pai, os que me deste, quero que, onde eu estiver, estejam também comigo, para verem a minha glória” (Jo 17,24). O mesmo evangelista já havia escrito as santas palavras do Mestre: “Esta é a vontade de meu Pai, que todo aquele que... crê no Filho tenha a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40).

Depositado na cripta da Catedral, estará aguardando a ressurreição final que não será outra coisa senão a confirmação litúrgica do abraço que o Pai lhe deu nesta hora, após ser purificado pelo sofrimento, pela doença.

Com ele podemos agora rezar diante do Altíssimo: “Combati o bom combate, terminei minha carreira, conservei a fé. De resto, me está reservada a coroa da justiça que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia, e não só a mim, mas também àqueles que desejam a sua vinda” (2Tm 4,7-8).

Dom Amaury, descanse em paz na luz beatífica, na casa do Pai, do Filho Jesus Cristo, vencedor da morte, do Espírito Santo, alma da Igreja peregrina, padecente e triunfante. Reze pela sua e nossa Diocese diante do trono esplendoroso de Deus Pai de bondade onde nos encontraremos para a festa das alegrias e da paz que não terão fim.

Requiescat in pace, in nomine Domini!

Comentários