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Publicado: Quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Dias Vindouros

Crédito: Photos&Focos Dias Vindouros

Infelizmente, ou felizmente, conhecer pessoas demanda tempo. Não sabemos com quem estamos lidando até o momento que mexemos em seus interesses de vida particulares ou ameaçamos sua existência acomodada na alienação do existir alheio. A doação não é uma característica fácil de se encontrar em relacionamentos hoje em dia e por isso deveria ser valorizada e enaltecida com a reciprocidade.

 

Com os discursos tecnicistas e egocentrados dos tempos atuais, cada pessoa opta por quase sempre buscar resultados que atendam unicamente seus próprios desejos e, sendo assim, está cada vez mais distante o horizonte no qual a convivência pacífica e equitativa é uma realidade aceitável.

 

Ninguém gosta de olhar para si. Ninguém em sã consciência costuma trazer para sua realidade sofrimento e dor. Ninguém está minimamente interessado no que os outros tem a dizer sobre tudo. As buscas incansáveis por dinheiro, sucesso profissional e a construção de todo um repertório de rotinas perfeitas a serem expostos nas redes sociais está diluindo de fato o que carregamos dentro de nós todos os dias.

 

Num dado momento, criar histórias fantasiosas e invejáveis na virtualidade acabou sendo mais importante do que viver, lutar e se relacionar de fato. As pessoas não precisam ser honestas desde que pareçam honestas, não precisam amar de verdade desde que soltem palavras ocas ou “emotions” que simbolizam afetividade, não precisam se esforçar ou dedicar tempo no florescimento de parcerias de vida desde que tenham pessoas que atendam superficialmente suas necessidades imediatas. Num dado momento, não sei quando exatamente, muito menos quem começou, tudo e todos se transformaram na sombra virtual perfeita de um ideal discursado, porém não vivenciado.

 

As mentes fetichistas machistas e desgovernadas estabeleceram pressupostos relacionais que não ultrapassam uma visão engessada e hierarquizada da existência. E como num repente, anos e anos de evolução cognitiva se personificaram em atitudes repletas de ódio, intolerâncias, egoísmos, indiferenças generalizadas, aniquilação de toda e qualquer forma de parcerias igualitárias. E eis que estamos diante de um estágio evolutivo humano em que a vida se descaracterizou e perdeu o seu valor.

 

Qual é o sentido da existência? Viver? Moldar padrões de conduta coletiva que tem como mote a destruição de tudo aquilo que comove e move, provocando estados inquietos? De repente, ninguém mais quer ser retirado de suas zonas de conforto virtuais, de suas existências paralelas de expectativas egoicas. Todo sentido se metamorfoseou num “grande umbigo” existencial. As pessoas adquiriram uma confiante razão exibicionista em achar que suas existências particulares e seus conjuntos de ideias e valores são tão humanamente superiores que todos devem compartilhar e reconhecer com “likes”. A auto estima depende de aprovações via facebook ou instagram.

 

Em que momento de toda essa corrida evolutiva a vida particular adquiriu mais relevância do que a vida de qualquer outro ser vivo que cruza nosso universo de valores? Em que momento nossos interesses pessoais devem ser priorizados em detrimento do direito à vida de qualquer outro? Em que momento o outro só existe na medida em que reflete nossa própria imagem? Qual foi o momento em que a vida passou a ser uma sombra distante das novas tecnologias? Quando foi que começamos a não ver aquilo que provocamos no outro com nossas atitudes?

 

Escravos perversos de uma realidade caótica e hostil na qual a vida não passa de um fetichismo existencial. As pessoas se mostram felizes nas redes sociais e se matam horas depois dentro de suas casas e muitas vezes compartilham todo o processo. Saem pelas ruas e metralham pessoas. Tiram suas vidas por causa de celulares. Destroem relacionamentos por entenderem as parcerias como campos minados e o outro como uma ameaça de suas necessidades egoístas. Usam e descartam pessoas, vidas e sonhos como se fossem papel rasurado ou como se a coexistência não fosse pressuposto de toda a base da sociabilidade humana e, consequentemente, o amálgama das civilizações.

 

E mais uma vez pergunto: Qual nosso papel na felicidade do outro? Visto que nossas felicidades particulares dependem da forma ou da qualidade de relações que estabelecemos na convivência com semelhantes e não pelo número de “emotions” que somos capazes de publicar num dia ou numa vida inteira. Qual o sentido de viver e não permitir que os tropeços ou dores contribuam para um desenvolvimento saudável? Qual o sentido de aniquilar uma vida sendo que a mesma é a razão da existência de todos? Onde o orgulho da burrice sentimental assumiu um posto de destaque em detrimento da verdade de um toque, de um beijo e de um ato de amor? Qual foi o momento em que a vida e as relações se transformaram numa ficção compartilhada nas redes sociais?

 

Onde está a vida que pulula em nós com o toque da afetividade? Onde está o amor que exala de nossos poros toda uma vontade cor de rosa de viver? Onde está nossa capacidade de se colocar no lugar do outro sem estar lá, apenas como um movimento de sensibilização da alma? Onde está? Onde se encontra a vida por detrás das gélidas telas da virtualidade?

 

Que lugar é esse onde estamos indo, marchando com olhos vidrados, que não entende as relações humanas como a própria vitalidade da existência? Em qual momento da evolução os diálogos construtivos deram lugar as ironias e sarcasmos segregadores? Qual instante crucial da vida de cada um paramos de escutar uns aos outros?

 

Quão triste nos sentiríamos ao olhar a pessoa amada e não ver nada além de dor, rancor, orgulho desmedido, batalhas ocas e sem sentido e tudo para alcançar o patamar da intolerância e o troféu da ausência de autoconhecimento. Que espécie é essa que prefere dor ao amor? Que prefere perder uma parceria doada somente para incorporar os estereótipos tirânicos dos colonizadores, no qual a vida é setorizada em hierarquias de valor medidas pela cor do dinheiro, tom de pele ou pelo sexo que carrega entre as pernas? Enfim.

 

É com entristecida percepção que hoje vos falo, sem demagogias, sem subestimações, pois somos todos capazes de entender que nada é mais importante que a vida e o amor que extraímos dela quando vemos refletido o melhor de nosso potencial nos olhos brilhantes e repletos de uma esperança acolhedora. Desejar ao outro, que da mesma seiva extraí a energia de viver e se relacionar coletivamente, um caminhar de paz e autoconhecimento e seguir daí com a motivação pulsante dos dias vindouros.  

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