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Publicado: Segunda-feira, 6 de junho de 2005

Diário de um peregrino em Roma - VI

Por que um papa europeu?

Era pública a expectativa de que o sucessor de João Paulo II viesse a ser um latino-americano, africano ou asiático. A grande imprensa e respeitados vaticanistas chegaram a escrever que essa era uma possibilidade real. Também eu via razões de conveniência para a Igreja tão presente na América Latina, com avanços consideráveis na África negra e na distante Ásia. Não faltariam cardeais desses continentes qualificados para ocuparem a cátedra do Apóstolo Pedro.

Entre os cardeais eleitores do Conclave, de origem européia, sempre estiveram entre os “papáveis” Dom Tettamanzi (de Milão), Joseph Ratzinger (prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé), Carlo Maria Martini (jesuíta, emérito de Milão) e outros mais. O perfil do novo Papa foi sendo definido nas dez “congregações”, reuniões diárias dos cardeais no Vaticano. O tema mais importante desses encontros cercados de sigilo e muita curiosidade por parte da mídia foi o desafio a ser enfrentado pela Igreja neste início do terceiro milênio, os problemas internos da instituição e a situação do mundo a ser evangelizado. Somente no Conclave da Capela Sistina é que seria definido o sucessor do venerado Papa João Paulo II.

Encontrava-me em Roma para os funerais de Karol Wojtyla, prolongando a minha permanência até a eleição e posse do novo Papa. Os maiores jornais italianos apontavam razões em favor tanto da América Latina, onde atualmente se concentram 50% dos católicos, quanto da África e da Ásia. Nesses casos despontavam como “papáveis” o cardeal nigeriano Arinze e o indiano Dias.

A eleição do Cardeal Ratzinger, em menos de 24 horas, certamente levou em conta sua qualificação humanística, filosófica e teológica, a sua profunda espiritualidade eucarístico-mariana e o seu jeito de ser: atencioso a tudo e a todos, lúcido em seus posicionamentos sobre fé e moral. Mas certamente prevaleceu na escolha dos cardeais eleitores a urgência de um Papa preparado para responder especialmente aos desafios que a Igreja vem enfrentando no Velho Mundo.

A Europa está descristianizada, carecendo de uma séria re-evangelização. A superafluência dos bens materiais acabou afastando da prática religiosa milhões de católicos europeus. As lideranças políticas de países tradicionalmente católicos como a França, a Espanha e a Bélgica, abandonaram importantes valores da fé e da dignidade humana, descambando para um relativismo ético-moral, um secularismo notável em suas legislações e em um desenfreado consumismo. A Constituição da União Européia ignorou as raízes cristãs do Velho Continente, merecendo críticas do Papa João Paulo II e, mais recentemente, a rejeição da maioria dos que participaram do plebiscito na França, tida como “filha primogênita da Igreja” e também na Holanda.

Ninguém como Bento XVI está preparado e à altura para responder a essa situação religiosa e moral da Europa. Ele e o episcopado europeu estão conscientes dos desafios eclesiais e sociais, políticos e morais a serem enfrentados. A esperança de um futuro melhor está nas crianças que, felizmente, ainda continuam nascendo, está nos adolescentes e jovens. Nos dias que passei em Roma impressionou-me ver tantos carrinhos com bebês pela Praça de São Pedro. Mas o inesperado foi o impressionante número de jovens que chegaram à Cidade Eterna vindos de todas as partes da Europa e do mundo. Convivi com eles cerca de vinte dias. Dos seis milhões de peregrinos que “invadiram” o Vaticano, pelo menos 70% era de jovens. Tenho certeza de que a Jornada Mundial da Juventude, a realizar-se no mês de agosto em Colônia, na Alemanha, com a presença do novo Papa, será uma antecipação de que o futuro cristão da Europa será outro.

Nós aqui da América Latina, com os irmãos de fé africanos e asiáticos, continuaremos enfrentando os nossos problemas, muito diferentes dos vividos pela Europa descristianizada, distante da Igreja e surda aos seus Pastores. A esperança nos assegura que o amanhã haverá de ser melhor, também porque Bento XVI assumiu o timão da barca de Pedro, na qual Cristo continua presente embora, em certos momentos, pareça estar descansando...

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