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Publicado: Segunda-feira, 23 de maio de 2005

Diário de um peregrino em Roma - IV

Afinal quem é Bento XVI?

Dia 19 de abril, quando a esperada notícia da “fumaça branca”, anunciadora de que os Cardeais haviam eleito o sucessor do Apóstolo Pedro e de João Paulo II, em meia hora 200 mil pessoas lotaram a Praça São Pedro. Encontrava-me entre elas, a cerca de 80 metros da “Loggia” central da Basílica, cercado de jovens, perto de uma bandeira brasileira erguida bem alto pouco adiante. Ao anúncio do Cardeal Camerlengo Martinez Somalo – “Eu vos anuncio uma grande alegria! Habemus Papam! Ele escolheu para si ser chamado Bento XVI e seu nome é José...” – a multidão se antecipou e, a uma só voz, ouviu-se o sobrenome: “Ratzinger!”. É bom o leitor saber que havia entre os eleitores do Sacro Colégio outros com o nome de José. Foi uma alegria geral, em meio a aplausos e gritos aclamando o novo Papa. O Camerlengo confirmava as aclamações da multidão.

Em um dos mais rápidos Conclaves da história da Igreja, consta que já no terceiro escrutínio o Cardeal Ratzinger atingiu dois terços dos votos dos 115 cardeais eleitores. Teria solicitado um quarto escrutínio à tarde, desejando ter a certeza de que essa era a vontade de Deus, que era realmente ele o escolhido pelo Espírito Santo, “alma vivificante da Igreja”. Vaticanistas entendidos no assunto – não posso dizer como – escreveram nos grandes jornais da Itália que Joseph Ratzinger teria obtido 107 votos. Votação plebiscitária e indiscutível!

Cerca de 15 minutos depois da “fumaça branca” os enormes sinos da Basílica soavam sem parar. Confirmavam para Roma e o mundo o resultado positivo do Conclave. Assim o determinara João Paulo II em documento decidindo sobre os pormenores da morte e dos sufrágios, da eleição e posse do novo Papa. Ante a emocionada multidão apareceu Bento XVI, de braços abertos, sorrindo e abençoando. As breves palavras que disse cativaram a todos. Atesto a alegria geral e a esperança dos que estavam na Praça, conhecedores da pessoa, dos méritos, da espiritualidade e dons do 265o Papa.

Todos os jornais italianos dedicaram cadernos especiais destacando os dois eventos históricos de que tive a graça de participar. Li tudo o que foi publicado diariamente. Diziam das homenagens a João Paulo II e destacavam a personalidade e qualidades de Bento XVI. Aqui e ali três ou quatro linhas de Leonardo Boff, Hans Kung e Frei Betto, suas críticas e desapontamento com a eleição do Cardeal Ratzinger, perdidas entre os elogiosos depoimentos feitos em todo o mundo por teólogos, autoridades e jornalistas.

Devo dizer que a decepção de alguns nem de longe atingiu o novo Papa. A mim magoaram porque estivera várias vezes com o Cardeal Ratzinger e, por mais de 20 anos, acompanhei seus passos como teólogo e professor universitário, assessor do episcopado alemão no Concílio Vaticano II, Arcebispo e Cardeal de Munique e, posteriormente, braço-direito de João Paulo II à frente da Congregação da Doutrina da Fé.

Retornando ao Brasil após a posse de Bento XVI, continuo lendo tudo quanto veio sendo escrito no Brasil sobre o Papa que partiu e o novo Papa que Deus nos concedeu. A prece ao Espírito Santo destacada na “Folha de S.Paulo” dias antes do Conclave, feita por Frei Betto, prova ter ele pouca audiência junto da terceira pessoa da Santíssima Trindade. As declarações de Leonardo Boff e outros renitentes adeptos da Teologia da Libertação, as declarações de um e outro “pastoralista” sonhando com um Papa à sua imagem e semelhança, não chegaram ao céu e nem sensibilizaram os cardeais eleitores que, em dez Congregações após a morte de Karol Wojtyla, reuniram-se diária e demoradamente refletindo sobre os problemas da Igreja, os desafios do mundo e do homem modernos a serem evangelizados, definindo não o nome mas o perfil do novo Papa.

Os poucos bispos “progressistas”, “teólogos da libertação” e certos pastoralistas brasileiros, sonhavam com a eleição do Cardeal Carlo Maria Martini, jesuíta e ex-Cardeal Arcebispo de Milão, notável biblista e tido como “liberal”. Suponho que ele tenha sufragado o nome de Ratzinger na Capela Sistina. Pelo menos, a fé que tem e a sabedoria de que sempre deu prova, também lhe deram a sensatez de fazer esta declaração a um jornal italiano: “Bento XVI romperá muitos prejulgamentos e surpreenderá a inúmeros críticos seus. Estou certo de que ele nos reserva muitas surpresas! A grande responsabilidade que pesa sobre o novo Papa fará dele, cada vez mais, uma pessoa sensível e aberta aos problemas que agitam os corações dos que têm fé e dos descrentes, o que abrirá novos caminhos para a Igreja. A diversidade nos une e o Evangelho nos ensina que é justamente o irmão diferente que devemos amar!”.

Ficam essas lições de alguém que tem na Igreja européia e no mundo muito mais autoridade que Hans Kung, Leonardo Boff, Frei Betto e companhia. Um pouco de humildade e objetividade não faz mal a ninguém...

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