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Publicado: Sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Deus e a Vida

Na experiência missionária que vivi no Amazonas, ao começo de minha vida sacerdotal, ao recordar a predileção de Jesus por ambientes onde as águas estavam presentes, vi também de perto a ameaça das tempestades com seus ventos, suas ondas e seus perigos.
 
Experimentei como, nestes momentos, não há como não colocar a alma, a mente, o coração e a vida inteira nas mãos de Deus, dada a completa incerteza de tudo em relação ao minuto seguinte. O que acontecerá agora, pergunta-se, quando o viajante vê seu barco jogado para cima e para baixo, tombando à direita e imediatamente atirado com violência à esquerda, debaixo de um céu negro de nuvens assustadoras e ondas que ameaçam invadir o lastro.
 
O susto e a total insegurança se apoderam daquele que vai ao leme, observando a quase inutilidade de seus comandos. O silêncio pavoroso que nestes momentos, às vezes, domina o interior da embarcação, põe-te inteira e exclusivamente nas mãos de Deus, única tábua de salvação. Nada há de mais exato que isto.
 
Também assim, a fé que as pessoas recebem no batismo lhes proporciona forças do alto para os momentos de turbulência. Mostra-lhes a capacidade e a vontade do Senhor de acalmar as tempestades, de salvar os viajantes, como está escrito no Evangelho de Lucas, 8,22-25, no de Mateus, 8,18-27 e no de Marcos 4,35-41.
 
Dormia o Senhor na barca. O vento era contrário, o perigo iminente. A barca enchia-se de água. O grito alucinante dos Apóstolos era inevitável: “Mestre, Mestre, nós estamos perecendo”. Levantou-se o Salvador, ordenou aos ventos e acalmou a fúria da tempestade. A conclusão da narrativa de Lucas é perfeita: “E eles, cheios de respeito e de profunda admiração, diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até os ventos e o mar obedecem?”
 
O episódio confere segurança ao fiel e tranqüilidade à Igreja, a comunidade dos batizados, filhos de Deus. Serve aqui a reflexão de dom Justino Silva de Souza, beneditino do Mosteiro do Rio de Janeiro: “A Igreja é como uma barca que navega no mar agitado das contrariedades, injustiças e perseguições e a um ponto tal que, por vezes, o medo se apossa dos seus membros. Mas Jesus é aquele que caminha acima das águas da tribulação e é quem realmente segue o leme da barca da Igreja e a conduz ao porto seguro. Peçamos a graça de jamais desanimar diante das dificuldades que o autêntico seguimento de Cristo impõe. Melhor do que viver na calmaria é ter Cristo sempre ao nosso lado para nos reconfortar”.
 
Águas que salvam, águas que dessedentam, que refrescam, que lavam, que fazem via de transporte do peregrinar dos homens. Águas que aproximam as criaturas e descansam os humanos. Águas que, à luz do sol, fazem germinar as plantas e nascerem os peixes. Águas que enfeitam e que cantam. Águas que obedecem aos comandos divinos para que não ameacem. À água, São Francisco chamou de irmã, encantado com a capacidade que ela tem para gerar vida, com sua beleza e cristalinidade.
 
Nascemos das águas e vivemos das águas. Nosso corpo, formado em setenta por cento de água é a testemunha eloqüente e sempre presente de que não se vive sem ela. A vida humana, corpo e espírito, pessoa, nada é sem Deus, fonte de vida, água viva que jorra para a vida eterna.
 
A experiência que vivi na cidade de Foz do Jutaí, nos alvores de minha vida presbiteral, me levou à contemplação das fontes inesgotáveis do amor divino. A imensidão do volume aquático dos rios, paranás, igarapés e lagos lançou-me à imaginação das nascentes espalhadas aos milhares por entre a mata. Na festa do seu batismo, Cristo é apresentado como fonte santificadora de todas as águas.
 
Nas águas do Solimões, que como pai bondoso vai recolhendo em seu regaço centenas de outros rios até se encontrarem juntos na imensidão do mar, vai a Igreja, pelo batismo, aconchegando seus filhos, vencendo desafios, superando tempestades, ultrapassando obstáculos, para concluir seu curso em Deus único e verdadeiro, fonte e cume de vida plena e feliz que dura para toda a eternidade.
 
Na Campanha da Fraternidade do corrente ano, o tema ‘Vida’ será, outra vez, tratado como um dom do alto, revestido de sacralidade, possuidor de uma dignidade natural que merece de todos os seres humanos, crentes ou não, o maior respeito e toda proteção.
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