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Publicado: Terça-feira, 22 de março de 2011

Desatentos ou desatendidos?

Crédito: Banco de Imagens Desatentos ou desatendidos?
É preciso olhar e escutar melhor nossas crianças

“Uma reflexão sobre a medicalização da infância e adolescência”

O Brasil é o segundo maior consumidor mundial de Ritalina. (Globo News / novembro de 2010). Relacionando um artigo da Epsiba (Escuela Psicopedagógica de Buenos Aires) de Jorge Gonçalves da Cruz, com esse mesmo título e uma reportagem no site “Globo News” com o dado estatístico da medicalização da infância e adolescência no Brasil nos chamados TDAH e DDA (em 2000 foram vendidas 70.000 caixas e em 2009, 1.700.000, um aumento gigantesco em 9 anos) gostaria de registrar minhas reflexões como psicopedagoga.

Tenho ouvido nos últimos anos muitos pais de alunos de diferentes faixas etárias com queixas de que os filhos (considerados inteligentes) não conseguem prestar atenção nas lições, manter foco na leitura e nos cálculos matemáticos. Por outro lado o mesmo comportamento nas atividades que gostam ou lhe despertem interesse.

Também ouço relatos de professores que sentem dificuldades em “despertar a atenção e manter o interesse” , com argumentos de que estão sempre mais envolvidos com outras demandas. Muitos são trazidos já com o diagnóstico de Distúrbio e Déficit de Atenção, medicados diariamente antes de ir para a escola.O que será que em nosso tempo de crianças, há 30 ou 40 anos, era diferente? Em que escola estudamos que não havia tanta dificuldade de atenção?

Observo atualmente que há diferentes “modalidades de atenção” e também “modalidades de aprendizagem” da geração que nasceu em uma sociedade hiperativa e desatenta dos afetos e da convivência humana. As crianças e adolescentes nascidos dos anos 90 até a atualidade, cresceram em contextos sociais muito adversos dos pais. Famílias e escolas tiveram que, muito rapidamente, aprender a conviver com a entrada das tecnologias no cotidiano. Este fato trouxe benefícios, mas com certeza simultaneamente provocou alguns prejuízos à convivência e ao papel formador e insubstituível de pais e professores. O tempo compartilhado diariamente tem sido cada vez mais invadido pelo computador, vídeo game e celular.

Há cada dia menos brincadeira e mais brinquedos, principalmente os eletrônicos. Estas mudanças sociais têm exercido influência direta no modo de ensinar, de processar informações e aprender. Não quero com isso afirmar que toda tecnologia seja nociva ao desenvolvimento dos filhos. Mas que pode subtrair tempo essencial para a construção de laços afetivos nos relacionamentos humanos onde falar e ouvir, olhar e ser olhado sejam tão importantes quanto teclar e enviar mensagens de texto com apenas 140 caracteres...

Coloco a pergunta: há crianças e adolescentes desatentos ou estão desatendidos como seres humanos em desenvolvimento, com necessidade de atenção, olhar tranquilo e tempo disponível por parte dos adultos? Desatendidos de serem ouvidos em suas angústias de criança, de poderem expressar suas necessidades. Questiono que haja sempre, em todos os casos, a existência de uma “doença que precisa de remédio” ou na realidade um indivíduo com demandas emocionais e familiares a serem primeiramente atendidas ou solicitando atenção.

Fica fácil, concreto e mais breve depositar apenas em uma medicação toda a ação e tratamento esperados para a mudança de um comportamento. É muito mais difícil e trabalhoso olhar para as necessidades de nossos filhos, alunos enquanto seres em desenvolvimento e que precisam de bons mediadores de sua aprendizagem.

São hiperativos por característica individual de atitude pró-ativa diante da vida ou pelo excesso de atividades obrigatórias, em uma agenda sobrecarregada de cursos e atividades para se manterem ocupados e os pais com a consciência tranquila de que fazem o melhor para a formação dos herdeiros?

O melhor que os pais podem fazer é estarem mais atentos ao desenvolvimento de seus filhos, priorizando em cada idade atividade adequada, deixando tempo livre para serem crianças.

É preciso fazer um contraponto a esta tendência atual de rotular, medicar crianças e adolescentes e a escola tornar-se cada vez mais dependente de que os alunos que apresentam dificuldades estejam medicados para vir à escola e aprender. Há que se ter outra forma de lidar com as subjetividades envolvidas e que podem ser determinantes no comportamento e na aprendizagem.

Pais e educadores precisam se unir e buscar alternativas para trabalhar com esta questão tão contemporânea, na tentativa de discriminar os reais casos portadores de disfunção neurológica daqueles que no contexto não se incluem nem necessitam medicação, mas precisam antes de apoio terapêutico, orientação e reestruturação emocional.

É preciso mudar a pergunta de por que os alunos não prestam atenção e não aprendem para que escola está sendo oferecida e como está se realizando o processo de ensino/aprendizagem. Também se perguntar sobre em que contexto vive essa criança e o que precisa ser modificado no seu entorno para ajudar na sua evolução.

É preciso olhar e escutar mais e melhor nossas crianças e adolescentes, compreender o que dizem através do comportamento desatento e hiperativo para chegarmos à compreensão do real conflito, a um diagnóstico mais assertivo e um tratamento adequado.

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