Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 7 de agosto de 2006

De que vida falamos?

De que vida falamos? Do eco repetido das notícias nefastas e da devastação da esperança no Oriente médio? De que vida realmente falamos? Do eco ... eco ... eco repetido à exaustão, renovado, insistido, reproduzido como velho disco de vinil riscado, a repetir-se abulicamente esquecido, respondendo ao infinito na mesmice vibratória? De que vida falamos? Da eterna marcha marcial cadenciada, funesta e uniforme dos esquadrões romanos? Dos foguetes ricocheteando sobre cabeças humanas ou da incrível convicção dos “homens bomba” que se matam e matam inocentes por lealdade à fé e ao amor divino? Do massacre da irônica ”Praça da Celeste Paz”? Ou o da praça de touros de Sevilha? Ou do episódio de wounded knee, de desgraçada memória? Correm os séculos e o mesmo arcaico som cadenciado e repetido, a marcar o rumo da tragédia, da barbárie, da obnubilação do espírito e da razão transcendente, a mera história a relatar objetiva e abulicamente a pobre realidade da câmara lenta evolutiva do espírito humano, a preguiçosa cadência no repetido e mesmíssimo eco dos egos, vaidades, projeções políticas, interêsses vitais, sonhos pátrios mirabolantes, e planos “redentores” de todas as épocas invariàvelmente, desde Sargão, de sumérios, babilônicos, gregos, troianos, romanos e Napoleão? . . . Das ordas e crematórios fumegantes e nauseabundos do nazismo hitleriano? E não falemos das Guerras dos cem anos, dos trinta anos, da dos 6 dias, das de nem sei de quantos mais dias, das irrecusáveis “Razões de Estado” e da guerra do Paraguay, para não tornar enfadonho e muito perto de nós todo o dantesco histórico e, muito longo o ecoar atordoante dos ecos intermináveis do nefasto, das diásporas ou dos holocaustos. Pobre histórico humano de indigna civilização, que não aprende com as hecatombes que provoca, que não consegue encarrilhar na cultura autêntica da Paz, quando a aspira afinal humanisticamente, mas só consegue lutar fratricidamente para impô-la, sem jamais portanto usufruí-la com perenidade. Que contra-senso a ressaltar a vetusta filosofia dos opostos do pré-socrático Heráclito, em que a discórdia era a condição básica do mundo natural, em que tudo estava em movimento e mudança contínuos.

Que sons são esses que se repercutem no ar, trespassam barreiras, olhos e ouvidos, intensa e permanentemente, cujo eco incessante nos chega de tão longe, cadenciada e repetitivamente, repleto de emoções vibrantes, atravessando espaços, séculos, milénios, incontáveis gerações, envolvendo vidas infinitas, profusamente submissas e dóceis à cadência apaixonante, empolgante, comovente, matematicamente precisa, vibrante, ao som delirante das fanfarras, das marchas, do uníssono som das trombetas de Jericó, ao rufar dos tambores e cânticos guerreiros, do compasso cadenciado e marcial das pesadas, grotescas e ferradas botas de couro rústico em passos bem marcados, retumbantes, belicosos, de sanguinolentas, reais ou pretensas glórias e heróicismos ? . . .

Que eco mais constante, interminável, permanente e marcante na história longa e vasta, nem sempre, ou quase sempre, nada edificante!... Que eco mais cheio de nuances e gritos lancinantes de dor, horror, paixão, vitória ou derrota! . . . Ecoam em jogo eterno constante todas as dualidades, radicalidades, ambigüidades, paixões e ódios, em busca de afirmação e múltiplas verdades, em cada coração, em cada sentença, em cada lado das contendas, em cada ego, cada vez mais impedernido ! . . .

De que vida falamos? Da superação da barbárie, da fome, da injustiça, da opressão? Da sedimentação e expansão da cultura ?; da construção civilizante?; da vitória da razão inteligente, transcendente sobre a matéria aprisionada, que apenas titubeantemente se assoma à consciência de massas dependentes e vítimas de seus próprios votos, intenções, comportamentos frustrantes e decepcionantes de corruptos governantes e TVs. contemporizantes, imbecilizantes?; da obediência disciplinada, sem crítica, sem análise individual, apenas cega, incondicional, da forma que nem Deus assim exige, mas massa constituída sempre ególatra, ignorante, altaneira e empolgada por ritos, ritmos e cadências de mistérios ancestrais, admiradora sem o saber dos métodos, arrogâncias e anais de Sargão e Nabucodonosor, dos mitos, entusiasmos epidérmicos e valores que pululam nosso espírito e nossas mentes, nossos jornais, revistas, escolas, academias, universidades, esquinas, becos e ruelas, sem discernimento, sem qualquer resquício de altruísmo, em cujas memórias genéticas e eletrônicas, permanecem latentes e atavicamente as raízes mais recônditas de nossa história neurônica, adormecidas massas abúlicas, fechadas ao essencial do espírito, prestes a despertar sempre com sub-reptícias, incontidas e deletéreas explosões de total inconsciência desvairada, que tudo aprovam e logo reprovam, que tudo atraem e logo repudiam, que tudo assentem mesmo com acinte, como se tudo fosse ilimitada explosão de alegria e desfile carnavalesco, um eterno oba, oba, como se tudo fosse simplesmente questão de moda a imitar e a seguir, sem necessidade de interiorização pessoal consciente, em busca ou afirmação de sentimento, do sentido humano evolutivo do espírito, da razão pragmática e da opinião definitória, comprometida, amadurecida e individualizada, como se tudo fosse eterna dependência de um destino misterioso, de um momento, variação, sorte ou azar do clima, do humor, amor ou desamor, gosto ou desgosto, ética ou estética, ódio ou ciúme, tática ou estratégia, acerto ou desacerto, simplória confirmação ou condescendência por falta de “tecnologia específica” ou treinamento oportuno, do momento ou segmento para a vida plena, livre, humana, participativa, contribuinte, digna e responsável . . .

De que vida falamos? Se da Paz não conhecemos a perenidade! Se, sendo a Paz tão essencial à felicidade e à dignidade humanas, ela continua a não depender de nós, que não sentimos nenhuma responsabilidade pessoal e direta por isso, pois depois de tantos milénios e documentação gritantemente dantesca, espantosa e incandescente, a partir dos primórdios do alvor da humanidade, ainda não sabemos nem aprendemos a respeitá-la conspicuamente, a construí-la e estabelecê-la em plenitude e perenidade! Se, ainda os teólogos de Deus, preferem perscrutar e acreditar, que Deus em Sua bendita e plena sabedoria, continua a escrever direito e a estruturar o bem por linhas tortas, um maniqueísmo cômodo sem responsabilizar-nos principalmente a usar nossos braços, nossas mentes, nossos corações, nossa sensibilidade, nossa honestidade, nosso intelect

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