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Publicado: Segunda-feira, 25 de abril de 2016

De que lado eu estou?

ACCIDIE. Não conhecia essa palavra. Li num livro com textos do Paulo Francis. Segundo esse jornalista-escritor genial (tivemos alguns aqui no Brasil nos anos 1950/60, como o próprio Francis, Millôr Fernandes, Nélson Rodrigues e Rubem Braga, entre outros), accidie é uma espécie de desinteresse intelectual geral. Uma espécie de ceticismo universal que alguns de nós experimentamos perto dos cinquenta.

Costumo dizer que desconfio de jovens que não são esquerdistas, e de velhos que continuam sendo. Francis, que como eu foi esquerdista na juventude e deixou de sê-lo na velhice, se queixa de accidie no texto que leio. Ele diz que todo mundo tem o direito de se portar como um debilóide até os trinta anos. Daí o esquerdismo quase inevitável. Mas nos alerta para o fato, também inevitável, que todas as esquerdas gostariam de suprimir do mundo: não há nada de graça na vida. Os velhos em geral, a não ser que sejam muito debilóides, já aprenderam isso a duras penas.

Lembro-me de outra frase que li esses dias na internet, acho que atribuída a Margaret Thatcher: o socialismo é uma maravilha, o problema é que o dinheiro acaba. O dinheiro acabou, e cá estamos nós tendo que escolher entre Jeans Willis e Bolsonaros. Eu passo.

Francis fala aos cinquenta que, a não ser que o cara seja muito debilóide, já não consegue mais se entusiasmar com slogans publicitários tipo "Não Vai ter Golpe" ou "Fora Corruptos". O principal, fica fora do resumo. Sempre. Mas como podemos gritar o essencial no meio de uma multidão ensandecida que dá o sangue e vende a alma pra poder malhar o seu Judas? Diz ele que o que passou a lhe interessar nessa etapa da vida foram mais os detalhes existências das vidas das pessoas do que as frases de efeito que geram aplausos na claque comprada. E por isso passou a escrever literatura. O escritor de literatura que se preze é um ser que sofre de accidie eterna. Não se entusiasma muito com as paixões mundanas. Olha-as de longe. Com desconfiança. Procurando obsessivamente o que o grande Milan Kundera, que conheceu na carne o "socialismo real", chama de "alma das coisas". Quem busca realmente a alma das coisas não tem um só lado. Não é partido. É inteiro. Ambidestro.

Tem dois braços e usa cada um deles, o direito e o esquerdo de acordo com a necessidade de cada momento. Parafraseando Scott Fitzgerald, Francis diz que: cultura é essencialmente a capacidade de manter duas ideias opostas na cabeça e ainda assim tomar posição. Que santo remédio para a sarna totalitária de direita e esquerda que nos assola atualmente, não é mesmo?

Francis diz, aos cinquenta, do alto da sua accidie, não ter mais paciência para com os jovens. O jovem quer certezas, diz ele. Isso é fruto de uma profunda insegurança, perfeitamente compreensível na juventude. Mas pra terminar, Francis nos lembra sabiamente que mais cedo ou mais tarde, dolorosamente todos nós descobriremos que nós e nossos ídolos imaculados somos muito menos do que desejaríamos, e que nossas causas são tão falíveis quanto a nossa humanidade que as criou.

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