Colunistas

Publicado: Segunda-feira, 20 de junho de 2005

De Medellin à Teologia da Libertação

Em 1968 realizou-se em Medellín, Colômbia, a II Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano. Foi aberta pelo Papa Paulo VI que naquele ano realizava a sua primeira e única visita à América Latina. Um dos objetivos da importante assembléia era adequar a evangelização em nosso continente, com as novas diretrizes do Concílio Vaticano II concluído em 1965. Vale a pena reler os textos dos 16 documentos de Medellín.

No Concílio Vaticano II, a Igreja é apresentada como Povo de Deus e comunidade de fé que adere à pessoa e mensagem de Jesus Cristo. Sem deixar de ser uma sociedade perfeita, com finalidade própria, instituição divina aberta a todos, hierarquicamente organizada, ela dispõe de todos os meios para realizar os fins que lhe são próprios. A Igreja é destacada na “Lumen Gentium” como Povo, Família e Reino de Deus, rebanho de Cristo, o Bom Pastor, Casa e Templo de Deus entre os homens. Pastores visíveis são todos os bispos, hoje mais de 4500 evangelizando “cum Petro et sub Petro”.

É inegável que o Concílio II foi inovador, realizando o que se propunha o Papa João XXIII quando o convocou: “um novo Pentecostes na Igreja”, um Concílio mais pastoral que dogmático, uma “nova primavera” na Igreja que nele se renovou em linhas de um necessário e oportuno “aggiornamento”. Coube ao Papa Paulo VI reconvocar, presidir as sessões dos anos 1963 a 1965 e adequar a Igreja às diretrizes do Concílio. Ele o fez com sabedoria e coragem, enfrentando as dificuldades e incompreensões de sempre. Devemos-lhe muito nas décadas de 60 e 70 do pós-Concílio.

O Vaticano II definiu a colegialidade episcopal. Tendo à frente o sucessor de Pedro na Sé Apostólica de Roma, os bispos, para além de suas Igrejas particulares ou Dioceses, devem preocupar-se com todas as Igrejas, como fazia o Apóstolo Paulo já no século I. O anúncio do Evangelho, o testemunho de vida e o empenho na proclamação de toda a verdade de Jesus Cristo, da própria Igreja, do homem e da mulher, tornou-se a preocupação de todos sob a liderança dos sucessores de Pedro, primeiro Bispo de Roma, comunidade que fecundou com o próprio sangue.

Essas e outras abordagens da fé e missão da própria Igreja levaram os bispos latino-americanos, particularmente na Conferência realizada em Puebla, México, em 1979, a novos compromissos na evangelização, optando por priorizar a juventude e os pobres. Maioria absoluta em toda a América central e do sul, o Documento de Puebla, que conserva um grande valor e atualidade, levou os Pastores da Igreja a uma dupla opção preferencial pelos jovens e pelos pobres. Nesse novo quadro, a partir de Medellín, veio se organizando, definindo e crescendo em importância uma teologia da libertação que, radicalizando a linha da Teologia Política iniciada na Europa algumas décadas antes, acentuou uma análise marxista da realidade brasileira e latino-americana, partindo das categorias opressores, os ricos, e oprimidos, os pobres, empenhando-se em lutas de classe, terrorismo e violência nas cidades e nos campos. Incentivou guerrilhas aqui e ali, com inegável simpatia por uma subversiva revolução da situação social e política predominante, inegavelmente geradora de gritantes injustiças.

Tendo com ideólogos especialmente Gutierrez, no Peru, o franciscano Leonardo Boff no Brasil e outros na América Central, multiplicaram-se por toda parte as Comunidades Eclesiais de Base, CEBs, avançando em uma discutível releitura política da Bíblia, mais empenhadas em questões sociais que no anúncio explícito da verdade de Jesus Cristo. Aos leitores desejosos de um conhecimento abrangente e objetivo da teologia da libertação que prevaleceu entre nós nas décadas de 1960, 1970 e 1980, recomendo a leitura do excelente livro do teólogo Padre Paschoal Rangel e da lúcida Exortação Apostólica “Evangelii Nuntiandi”, do Papa Paulo VI, de 1975. É o primeiro documento pontifício que reflete criticamente tanto sobre a teologia da libertação quanto sobre as CEBs. Talvez o meu livro “Caminhos das CEB’s no Brasil — Uma Análise Crítica”, editado em 1987, reeditado em 1988 pela Agir Editora, também possa ajudar os interessados na reflexão que estou continuando, com este artigo, sobre a teologia da libertação na Igreja e no Brasil.

Comentários