Dai tempo ao tempo, sobretudo aos amigos
“Chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer, tudo o que recebi de meu Pai” (João 15,15) São palavras de Jesus dirigidas a seus companheiros e discípulos, porque quer ficar muito perto de seus amigos, que o acompanham há quase quatro anos. Sabe perfeitamente o que o espera muito em breve. Não atua com segredos, nem dúbias expressões, diz-lhes com naturalidade, diretamente, quanto os ama. Abre-se com a franqueza e honestidade de sua personalidade, diz-lhes que os ama, do seu carinho, tornando-se capaz de ir a extremos no amor “dando a vida por aqueles que ama”(João 15,3-15;13. Não há insinuações sub-reptícias, não há falsa modéstia, não há manipulações verbais demagógicas, exercício de marketing político, nem pretensões indevidas. Há naturalidade na expressão autêntica de sentimentos e afeto. “Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi” ( João 15,16)
Toma a iniciativa. Não havia interesses escusos ou escondidos, fossem quais fossem, houve sim uma ternura imensa. O carinho expresso, audível e ternamente sentido. Pelos amigos e pela Obra a realizar. A escolha não nasceu da qualidade dos discípulos, mas apenas de uma preferência cheia de carinho. “Permanecei no meu amor, guardai os meus mandamentos, pedi ao Pai o que quiserdes e daí fruto, um fruto que permaneça” ( João 15,9-10 e 16), diz-lhes com convicção. Então só vos peço uma coisa “que vos ameis uns aos outros”João 15,17” Amar todos os outros, sem distinção é o preço único a pagar por aqueles que encontram em ideais transcendentes, valiosos, eternos, puros de autêntica dimensão, verdade e convicção, expressos tão exemplarmente por Jesus, o sentido para o seu amor. Este capítulo 15 de João, entre os versículos 9 e 17, é um verdadeiro hino à amizade, modelo para um amor gratuito, generoso, universal transcendente e humanamente dignificante .
“Ninguém é uma ilha” na expressão de Thomas Merton. Refere que o ser humano é “ser em relação” e só é feliz se encontra nos outros, se se encontra nos outros, se se realiza com outros, o sentido da própria vida. Ser com os outros, Ser e Estar com os outros, viver em solidariedade, Ser construindo, Ser comungando, são desafios maravilhosos que apenas são possíveis na construção da amizade verdadeira. A amizade não pode ser momentânea caricatura risível, simples conhecimento, interesse, cálculo, convivência, oportunismo, uso e abuso de boa vontade superficial, blá, blá, conversa fiada ou abúlico balbuciar intenções desconexas. Também não é o acaso, curiosidade, rotina, relação social, hábeis tecnologias de boa comunicação, marketing ou manipulação. É despreendimento.
Autenticidade. Confiabilidade! . . . É compromisso cultural e espiritual com o Todo, comunhão inter-dependente do Ser e a natureza intelectiva, perceptiva, sensível e amorosa. Torna-se urgente, imprescindível, redescobrir a amizade, como encontro profundo que permite a partilha de sonhos, da autenticidade, o jogo dos afetos, o reconhecimento das limitações naturais comuns, a capacidade de sacrifício, a compreensão e aceitação da dor, como redenção à realização do bem, de um rumo ou do sonho, “...quem quiser passar o Bojador, tem que passar além da dor ... diz Fernando Pessoa”, a alegria e a disposição no dom. Não à toa, mas com tremenda razão e profundidade se dizia no antigo adágio popular que “quem descobriu um amigo, descobriu um tesouro”.
“Amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (João 13,34) Mas a amizade é diferente do amor universal, é um privilégio enorme, enorme, enorme, que se recebe porque se aprendeu a estar disponível, para a liberdade responsável, para a compreensão, para a igualdade das oportunidades, para os sentimentos de fraternidade, para a ação e para o perdão. Porque se aprendeu a estar juntos nos desafios e na identificação. A produzir causa comum transcendente, exemplar, pedagógica, educativa, na evolutiva animalidade original egocêntrica que nos precedeu, a visualizar, descobrir que ao tornar-nos solícitos, ou “seres de boa vontade”, ao sorrir com naturalidade compreensiva inteligente e perceptibilidade aos reais e eternos valores em jogo, estamos cumprindo assertiva vontade evolutiva que nos transcende e dignifica.
As vozes dos poetas são elucidativas. . . . “ Amigos cento e dez ou talvez mais eu já contei. Vaidades que eu sentia” ... é a expressão de Camilo Castelo Branco, para dizer que amigos verdadeiros são muito poucos. Tão poucos! Tão poucos! . . . Por isso é preciso dar-lhes tempo, tempo para que a amizade cresça e se solidifique, sempre mais bela, mais comprometida .
Não é possível viver ideais transcendentes, éticos, inspiradores, pretensões de uma cultura de fraternidade, sem dar tempo aos amigos verdadeiros, os amigos únicos, que nos aproximam da verdade incomensurável de nossa fé.
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