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Publicado: Sexta-feira, 23 de maio de 2008

Corra que o Tornado vem aí!

Crédito: banco de imagens Corra que o Tornado vem aí!
"Corra que o Tornado vem aí!"
Na terça-feira do dia 24 de maio de 2005, a minha cidade Indaiatuba, que fica no interior de São Paulo a 20 km de Campinas foi visitada por um Tornado com ventos de até 140 km/h. Fez um estrago danado inclusive na rede elétrica provocando um apagão em toda a cidade.
 
Na época escrevi o artigo que republico abaixo:

Quando cheguei do trabalho senti a primeira dificuldade. O portão eletrônico da garagem não funcionava em razão da falta de energia. Tive que descer do carro debaixo daquela chuva, tirar o parafuso que o travava, pegar um pedaço de cano de pvc (que já fica guardado para estas emergências) para apoiar o portão a fim de impedir que ele fechasse enquanto o carro estivesse passando. Guardar o carro e fazer todo o inverso deixando-o imóvel “feito uma porta”. Esta expressão era usada antigamente quando uma pessoa não tinha iniciativa. Hoje, em razão da tecnologia, não existe mais nenhuma porta que fique imóvel. Ao nos aproximarmos das portas de entrada dos aeroportos, supermercados, grandes magazines, elas, movidas por sensores é claro, se abrem sem que precisemos tocá-las. Há as portas giratórias dos hotéis e bancos que mesmo após passarmos, continuam girando. E as portas eletrônicas, como o portão da garagem do meu prédio, que ao simples toque do controle se abre e se fecha.

Subi pelas escadas sem enxergar nada, pois como a cidade inteira estava às escuras não havia nenhuma claridade a não ser quando um ou outro raio riscava o céu. Entrei em casa e fui logo procurar uma vela (no dia seguinte fiquei sabendo que não se encontrava vela em supermercado algum. Haviam comprado todas). A parte da cozinha e área de serviço do meu prédio estava sendo privilegiada, pois sou vizinha de uma belíssima padaria que possui gerador, mantendo-a iluminada. Fiquei então na janela observando as pessoas que lá chegavam. Normalmente, quem vai a esta padaria sempre encontra muitos conhecidos, pois somos uma cidade interiorana, e a “prosa” é uma constante, só que sempre muito rápida e em movimento. Enquanto vamos nos servindo das delícias ali expostas vamos perguntando: “E aí, está tudo bem? E os filhos como vão? Mande lembranças...”, e já vamos nos dirigindo ao caixa para irmos embora. Só que hoje, em razão do apagão, não temos televisão, nem barzinhos para ir, nem nenhum outro lugar a não ser a nossa própria casa onde o divertimento será jantar e se não tivermos nenhuma criatividade, dormir. Observei então, que havia muitas pessoas paradas à porta da Padaria conversando. Eu podia apostar que o assunto era o Tornado que varreu árvores, casas e postes da cidade mas, pensei, quantas vezes não cruzamos com amigos, nesta mesma padaria, que talvez precisassem desabafar algum problema que os afligia, ou trocar alguma idéia, ou mesmo falar e rir um pouco para extravasar a tensão de um dia de trabalho, e nunca propiciamos isto pois sempre estamos com pressa, muita pressa. A pressa é uma rotina na vida de todos nós.

Então peguei minha vela e andando bem devagar para que ela não se apagasse, pensava no que iria fazer, afinal não podia ligar o computador, não podia ligar o som, não podia ligar nada e me senti perdida. Então me reportei ao tempo da minha avó, onde as noites eram iluminadas pelas lamparinas. Ela contava que jantavam muito cedo sob o calor do fogão à lenha e que logo após o jantar sentava, ela e meu avô, na varanda onde só era iluminada pela luz da lua e conversavam, contavam “causos”. Minha mãe e meu tio escutavam atentos as histórias ao som dos grilos cantores e de vez em quando saiam correndo atrás de um vaga-lume “maroto” que bailava com seu pisca-pisca ritmado.

Estas lembranças me levaram a pegar uma caixa repleta de recortes interessantes, que eu guardo há anos e que na verdade nunca tive tempo de ler nenhum. Eu os guardo para lê-los quando ficar bem velhinha e cheia de tempo... Como estava cheia de tempo agora decidi lê-los todos. Foi maravilhoso! Viajei no tempo! De vez em quando me levantava e lentamente me dirigia à cozinha para lambiscar alguma coisa. Não consegui me lembrar qual foi a última vez que andei tão vagarosamente. E o tempo andava no mesmo compasso que eu pois terminei de ler tudo que ali estava guardado e ainda não eram 22h. Também percebi que em nenhum momento fiquei à procura dos meus óculos, eu sempre lembrava onde os tinha largado. Acho que era porque não havia nada para desviar a minha atenção. Procurar pelos óculos é uma constante em minha vida e eu sempre atribuía ao fato de a minha memória não ser mais a mesma. Fiquei contente por estar enganada, na verdade, o que leva a não se lembrar do lugar onde se deixa alguma coisa, é a não concentração no que se está fazendo.

A chuva havia dado uma trégua e eu pude apreciar da varanda, a escuridão. Não dava para imaginar que eu estava no meio da cidade. Não enxergava nada. Não havia nenhum carro na rua, pois não se tinha para onde ir.

Eu conseguia ouvir o silêncio! Era uma sensação maravilhosa! Você totalmente em comunhão com a natureza.

Os meus órgãos dos sentidos estavam todos de prontidão. Os meus ouvidos captavam cada ruído. Os meus olhos conseguiam ver através da escuridão. O perfume da chuva na terra há tanto tempo castigada pela falta de água, me inebriava. Tudo isso fazia com que eu saboreasse cada segundo.

Não quero deixar transparecer que sou contra o progresso, muito pelo contrário, sou totalmente dependente e fã incondicional dele. Adoro tudo o que ele me proporciona. Só que me permiti, diante do ocorrido, sentir a singeleza das coisas singulares que estão ao nosso redor, mesmo sem os Tornados, e que não nos damos conta.

Tenho consciência de que este Tornado provocou uma calamidade junto aos mais necessitados, e o fato de não mencionar isto aqui, não quer dizer que me sinto alheia a este fato. É que neste momento quis compartilhar com vocês um sentimento que me fez viajar num tempo onde a simplicidade enriquecia o ser humano.
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