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Publicado: Segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Coração de Mãe não se engana

A década de quarenta ficou marcada, em todo mundo, pela ocorrência da segunda grande guerra mundial, Alemanha, Itália, Japão (eixo), contra França, Inglaterra, Estados Unidos, (aliados).
 
Estas eram os cabeças, mas a eles se uniram outras nações e o Brasil também acabou entrando ao lado dos Aliados.
 
Numa cidade do interior, moravam muitas famílias de imigrantes alemães. Gente muito boa, perfeitamente integrada na sociedade local. Mas, com a participação do Brasil na guerra contra a Alemanha, criou-se uma situação delicada. Os brasileiros começaram a manter certa distância dos alemães que também se tornaram esquivos e desconfiados.
 
Amizades entre brasileiros e alemães passaram a ser mal vistas. Chamavam de “quinta coluna”, ou seja, traidores da Pátria, os que mantinham qualquer tipo de relacionamento com os estrangeiros, agora inimigos. Em tempo de guerra, isto pegava muito mal, chegava a ser perigoso.
 
Regina, brasileira, namorava há algum tempo Henrique, nascido na Alemanha, mas que viera ao Brasil muito pequeno, crescera aqui e era mais brasileiro do que alemão.
 
A família de Regina que anteriormente aprovava o namoro passou a ser contra. Não ficava bem namorar um estrangeiro em plena guerra.
 
Os familiares de Henrique também começaram a fazer pressão para que ele terminasse o namoro e os dois, muito embora, não estivessem dando a mínima para a guerra, acabaram cedendo e resolvendo dar um tempo até os ânimos serenarem.
 
E vieram as convocações.
Vários rapazes da cidade foram convocados e, entre eles, Bruno e Rafael, irmãos de Regina.
 
Foi uma tristeza! Tiveram que abandonar trabalho, estudo, sonhos, para ir lutar por uma causa que nem sabiam bem qual era, numa guerra que não tinha nada a ver com eles.
 
Mas foram obrigados a partir, fingindo um patriotismo que estavam muito longe de sentir, cantando meio desafinados “Verás que um filho teu não foge à luta, nem teme, quem te adora, a própria morte...”.
 
Pois sim!
 
Depois que partiram, vieram a preocupação, o medo, a saudade, as restrições, o racionamento, a falta de víveres, toda uma gama de sofrimentos causados pela tal guerra.
 
Mas, como tudo na vida tem fim, a guerra acabou com a vitória dos aliados e aos poucos tudo foi voltando ao normal.
 
Os pracinhas regressaram a suas cidades de origem e foram recebidos com muita alegria.
 
Brasileiros e alemães voltaram a abraçar-se fraternalmente, Henrique e Regina reataram o namoro, já então com vistas a um próximo casamento.
 
Mas havia um senão. A felicidade não era completa porque o Rafael não regressou.
 
Ninguém sabia dele. Não havia notícia oficial de sua morte, mas, na guerra muitos desaparecem durante os combates, morrem e não são encontrados, e, como o tempo passou sem que ele se manifestasse, ninguém tinha dúvida de que ele teria falecido.
 
Só a sua mãe acreditava que ele ainda vivia.
No começo os outros filhos até lhe alimentaram a ilusão, mas quando viram que não havia mais esperança, procuraram conscientizá-la da situação.
 
Mas, a reação dela foi muito estranha. Afirmava que o filho ia chegar a qualquer hora. Mandava que todos os dias seu lugar à mesa fosse posto e seu quarto fosse arrumado.
 
No dia do aniversário dele fez uma festa e convidou a família toda.
 
Todos estavam preocupados com o que ela faria quando visse que ele não chegava, mas ela tranqüilamente disse para todos que ele devia ter tido algum problemazinho e não pudera chegar a tempo para a sua festa.
 
Os filhos estavam muito apreensivos, temendo pela sua sanidade mental, mas ela, no mais, estava perfeitamente lúcida, cuidando de seus afazeres como sempre, conversando muito bem, sempre alegre e bem disposta.
 
A única coisa é que não aceitava a idéia de ter perdido o filho.
 
Quando chegou o Natal, todos já estavam acostumados com a sua esquisitice e ninguém estranhou o fato de ela comprar um presente para o filho ausente.
 
Mas, pouco antes da meia noite, a família toda reunida, eis que a porta se abre e entra, nada mais, nada menos que o Rafael, todo sorridente.
 
Todos ficaram estáticos, olhando para ele, sem palavras.
 
Ele ria:
- Que caras! Parece que viram um fantasma! Eu venho de longe, mas é deste mundo mesmo, não é do além!
- Rafael! O que aconteceu com você? Porque ficou sumido todo esse tempo? Indaga, por fim, o Bruno.
- Eu me casei na Itália. Como você sabe não foi permitido aos expedicionários trazerem as esposas. Sò agora consegui o visto para trazer a Hilda.
 
Só então, todos repararam na moça, meio assustada, ao seu lado.
- E por que não se comunicou? Deixou todo mundo preocupado com você?
 
Esta é uma longa história que depois eu conto. Mas, que é isto? Ninguém me dá as boas vindas? Não me cumprimentam pelo casamento? Não me desejam Feliz Natal. Parece que houve um congelamento coletivo aqui!
 
E, então, a mãe aproximou-se e disse com a maior naturalidade deste mundo:
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