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Publicado: Sábado, 18 de dezembro de 2010

Conto de Natal 2010

                                                                                            

Antes que o mês de dezembro desponte, lá atrás, por setembro diga-se, começa o ar a ficar diferente, mais translúcido, amenizam-se dissabores, respira-se um aroma sutil e indefinido de paz.

Paz que, como saudade, não se poderá jamais definir com exatidão. Paz e saudade são reflexos vividos e vivenciados e portanto sentimentos intrinsinca e inalienavelmente pessoais. Únicos. Íntimos. Particularíssimos.

Tal estado de espírito vivido por cada um, no entanto, se junta ao dos demais. Mesmo desorganizadamente e com repentes diferenciados em cada lugar, repercutem no geral. Formam um clima. Esse, se parece e deu para se compreender, compõe justamente o chamado clima de Natal.

Como via natural de consequência, no trato de assuntos para o que concorre poderosamente o coração, quase sempre tudo se consuma num ambiente familiar. Todos se atropelam às vésperas da data para, num último instante, desembocar naquela mesa de reunião em que pais, filhos, genros, noras, netos, sobrinhos, sogros, tios, avós, se misturam e se confraternizam.

Começa pois esta história com persongens adstritos ao que se consagra como uma família tradiconal e de hábitos até certo ponto conservadores.

A cidade contava com não mais de trinta mil habitantes.

Curiosamente, esta marca se assinala, porque para os moradores, muito lhes significava que sua população aumentasse. Era uma campanha uníssona, desavisada sua gente de que o aumento vegetativo de pessoas é apenas um dos componentes da evolucação de um município. Tudo ali ia bem. Os residentes, na maioria, gente cordata, simples e amiga.

O município nascera e se desenvolvia de forma aleatória. Daqueles que nascem espontâneos em ambas as margens de uma rodovia.

Na rodovia pois – e avenida principal – crescera uma indústria de origem familiar, a ponto de se constituir na maior oferta de empregos para os locais e algumas pessoas de fora. Uma característica é que os proprietários eram por natureza muito dados e assim continuaram mesmo após o sucesso de seu ramo empresarial, uma guinada aliás surpreendente a julgar pela sua origem na lavoura. Como desta emergiu o mínimo necessário para o que fora um início modesto, de uma fabriqueta primária, nunca porém abandonaram e até ampliaram sua atividade rural.

Quem se dispusesse a andar pela avenida todas as manhãs, iria encontrar o seu Luís, o patriarca, ao lado da porta da fábrica, na calçada, sentadinho na sua confortável cadeira, a simplesmente olhar os passantes. Muitos paravam. Ele adorava transmitir e receber novidades. O complexo industrial progredia de vento em popa, agora somente entregue aos filhos.

Afável por índole, seu Luís também percorria a casa de todos os filhos, entrava sem aviso e a qualquer hora. Quantas vezes ficara para refeições e somente pedia que avisassem a dona Laura que estava ali. Derretia-se com os netos.

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Também trabalhador na fábrica, mas em condições especiais e favorecidas, o irmão do seu Luís,  de nome José, dez anos mais novo e solteiro.

Este, embora de rigor não fosse necessário, se conduzia como um elo na família e unia a todos, principalmente em pequenas e passageiras querelas. José conseguira reunir nele duas características a um só tempo, justamente o que não era: pai e avô. Conselheiro e amoroso em todas as circunstâncias e em relação às crianças sentava-se no chão para ficar-lhes bem ao alcance. Elas o adoravam.

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No Natal, em especial, despontava a personalidade invulgar desse homem no melhor sentido da palavra. Absolutamente correto, convicto na sua crença, sem pieguice nem arrogância, vivia profundamente sua fé. É claro que nas festas de fim de ano ele pontificava. Todos recorriam à sua opinião e pediam sua ajuda pessoal, não de sugestão apenas mas de ação também. Esses cuidados se iniciavam no dia primeiro de cada dezembro. Infalivelmente.

Procuravam o seu concurso, certamente enlevados porque no fundo tudo refluia dos familiares para as crianças, os menores, os pequeninos. Ele os envolvia na festa de mil maneiras.

Aconselhava sempre: não iludam as crianças com presentes fúteis ou em demasia. É-lhes importante ainda poder entreterem-se no quintal ou no sítio, com brinquedos rudimentares ou até com os que aprenderam a confeccionar. Bonecas de pano e carrinhos de lata. O seu José praticamente fazia por elas. Vários dias se consumiam agradavelmente naquela tarefa.

Após ao que outrora se conhecia como tradicional missa do galo à meia noite, atualmente antecipada para as vinte hora, uma das mais sagradas tradições da Igreja, reuniam-se na casa do avô Luís.

Entre outras invenções do tio Zé – pai e avô, lembram-se? – ele, longe dos olhos de todos, conduzia a apresentação central das crianças abaixo de onze anos: o teatro e o coro infantil. Aí entravam alguns filhos de colonos e de operários, para compor toda encenação.

Uma roda imensa de adultos sentados no chão, à exceção daqueles que a idade os impedisse, quase que somente o seu Luís e dona Laura. Um grande vazio redondo no centro da sala, o palco. Uma estreita ala de passagem, para os atores que vinham de um dos compartimentos limítrofes, a servir de bastidores.

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O maior silêncio.

Enorme expecativa.

Repetinamente, a ponto de assustar, irrompia um som alto e envolvente, em nenhum ano igual. Uma chamada inicial tonitruante escolhida a dedo pelo tio Zé no repertório de alguma ba

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