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Publicado: Segunda-feira, 28 de novembro de 2005

Contabilidade cotidiana

Na terça-feira última, participei de uma reunião de trabalho com alguns amigos. Depois de discutidos vários temas da noite, um dos presentes, ao usar a palavra, discorreu sobre um livro que está lendo e que gostaria de sugerir aos demais presentes. Confesso que, naquele momento, não consegui registrar o título e também o nome do autor. Não sei se me distraí por alguma outra coisa ou se o adiantado da hora é que já colaborava para a dispersão das atenções dos participantes. Apesar da falta do registro, pelo menos gravei um fragmento de uma frase proferida por ele: “... deixar de acrescentar dias na vida e passar a colocar vida nos dias...”. Não sei se é de autoria dele ou do autor do livro. De qualquer forma, a frase passou a freqüentar meus pensamentos na viagem de volta para casa e também no dia seguinte.
Creio que fiquei pensando nisso mais fortemente também porque tenho refletido sobre essa questão: o quanto nossos dias acabam cheio de tarefas e, ao mesmo tempo, continuam vazios; o quanto projetamos, corremos, fazemos e, grande parte de tudo isso, sem destino, sem uma referência maior a nortear nossas ações cotidianas. De repente, nos vemos atolados em projetos e ações que vamos incorporando ao nosso trabalho diário, mas sem norte, sem ao menos sabermos aonde queremos chegar com tudo isso: dinheiro, projeção no meio social, fama... ?
Depois do falecimento do meu pai, ocorrido em meados desse ano, esse tema tem freqüentado meus pensamentos periodicamente. De repente, a temporariedade da vida deixou de ser uma névoa fugaz para se tornar um substantivo palpável e com direito a muita dor. Assim, creio ser esse o principal motivo para que a frase do meu colega ficasse indo e voltando, indo e voltando, como um io-iô em seu monótono movimento de vai-e-vem.
E o interessante é que, basta pensar só um pouco nela, para percebemos como a frase é atual e verdadeira. Vamos tocando nossas vidas, pensando que um dia podemos isso, outro dia podemos aquilo, vamos fazendo planos mirabolantes que vão resultando em um acúmulo de trabalho diário, essas ações que sempre achamos urgentes e inadiáveis. Ou seja, com essas ilusões, vamos acrescentando dias às nossas vidas, vamos acreditando que ela é bastante elástica, quase infinita, e que sempre dá para acrescer mais um dia à nossa existência, acreditando que não envelheceremos, e que, assim, é possível deixar tal coisa para amanhã, porque o amanhã sempre existirá. E a nossa vida vai ficando árida, somente com as rotinas do trabalho, sem paixões, sem que o coração bata mais forte, e o nosso dia vai ficando sem vida, apesar de estarmos acreditando que ela se tornou um pouco mais longa porque há um plano a mais a ser executado. E aí aquela conversa com um amigo foi adiada, o abraço que eu queria dar no meu filho ficou para amanhã, aquele programa do final de semana também foi abandonado e perdoar aquilo que já está cicatrizado também fica para outra data. Às vezes me vejo assim, correndo sem saber para onde.Mas, tenho alguns antídotos e creio não ser possível viver sem eles. Quanto vejo que as coisas estão caminhando meio sem controle e que a vida está rareando nos meus dias, faço alguma coisa inesperada por mim mesmo, algo meio moleque. Deixo que minha adolescência aflore, se sobreponha às fantasias que visto. E, hoje mais do que antes, sei que preciso isso fazer mais vezes, ainda tenho muitas coisas importantes adiadas e que preciso colocar na pauta no lugar dos supérfluos. E aí é que me volta à mente o brinde chileno, que aprendi na Peña de Los Parras: Qual é o lema do clube? Saúde! Porque depois dessa vida, não há outra!

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