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Publicado: Sexta-feira, 3 de fevereiro de 2006

Confissões de publicitário

O fato de um reconhecido publicitário escrever um livro onde ele só fala de si próprio a partir da página 100, por si exige comemoração. Pois acredite: o livro existe, e tem muito mais méritos. Then We Set His Hair on Fire” (algo como “Aí pusemos fogo no seu cabelo”) é como se chama a obra de Phil Dusenberry, ex-Chairman e Diretor de Criação da BBDO dos Estados Unidos. Sem tradução para o português, o título é uma referência ao então-famoso, quase-esquecido popstar e seu comercial para a Pepsi, realizado pela agência. Foi participando dele que em 1984 o cantor Michael Jackson, no auge da popularidade, ganhou 5 milhões de dólares. Só que um acidente no final da filmagem incendiou a sua cabeleira. Ironicamente, a divulgação do fato na imprensa em todo o mundo ganhou muito mais notoriedade que o próprio anúncio. A partir desta situação imprevisível, mas de alta visibilidade, Dusenberry cria o pretexto para uma parábola sobre a publicidade - onde arte, magia, acaso, e emoção têm peso equivalente ao ofício.

 

Nascido no Brooklin, filho de um motorista de táxi que se orgulhava ser o mais lento de Nova Iorque, o autor teve como colega de primário na escola pública ninguém menos que Woody Allen. Apesar de pouco explorar o fato no livro, Dusenberry parece compartilhar com o ex-coleguinha cineasta a paixão pelo baseball e a capacidade de sensibilizar pessoas com doses iguais de criatividade e emoção. É verdade que a mesma classe dos dois era freqüentada por outro futuro famoso, o escritor Erich Segal - aquele do livro e filme Love Story, e que fez chorar multidões nos anos 80. Mas felizmente, parece, foi a influência woodyalliana sobre nosso autor que prevaleceu (ou, quem sabe, não ocorreu o contrário, e foi Allen que aprendeu com o publicitário?)

 

O livro tem um pouco de tudo: desde conceitos, histórias do ramo, encontros com gente famosa, até auto-ajuda para criativos menos criativos e pessoas em geral. Também traz muitos casos de clientes, mas que não estão ali para promover a genialidade do autor, mas sim para pontuar seus conceitos. A informação que chega ao leitor vem sempre através do ângulo privilegiado de quem atuou à frente de contas de gente grande, como GE, Pepsi (e suas brigas com a Coca), Fedex, Frito-Lay, DuPont, Visa, Mars, Sopas Campbell, HBO, Pizza Hut, Ronald Reagan, Apple, e a campanha para a cidade de Nova Iorque pós-11 de setembro.

Insight é tudo

 

Na própria visão de Dusenberry, o tema central da obra é o insight. Palavra intraduzível, significa o momento mágico em que você consegue sintetizar a visão do conjunto numa espécie de matriz ou idéia-mãe - seja de um negócio, situação, ou produto. É o insight que dá luz a inúmeras idéias-filhotes, sob a forma de anúncios, promoções, ou seja lá o que se quiser criar. O autor, que dedica o principal capítulo ao assunto, diz que enquanto uma boa idéia pode inspirar um bom comercial, um insight alimenta milhares de idéias e comerciais, e até altera a forma como a gente vê o mundo. Para ele, isto pode surgir sob várias formas, tamanhos, analogias, e até sons — mas não vale nada se você não expressá-los de um jeito que as pessoas consigam captar. Nasce a partir de uma pesquisa, comentário de cliente sobre o que ele quer, reclamação, execução equivocada que ressalta o que está faltando, ou um instinto. E é aí que entra a publicidade. Se armada com um bom insight, e respaldada por um criterioso planejamento, Dusenberry promete, os anúncios serão mera conseqüência.

 

Entretenimento

 

Mesmo que você não seja publicitário, e até deteste publicitários ególatras, este é um livro para ser lido por todos, pois ultrapassa a jurisdição original. É inteligente, engraçado, interessante, bem escrito — este último item, uma covardia , pois o homem é dono de alguns dos mais brilhantes comerciais e slogans da história. Só para citar dois: “We bring Good Things to Life” (para a GE), jogo de palavras que ao mesmo tempo quer dizer “trazemos boas coisas para a vida” e “damos vida às boas coisas”. E “It’s Not TV, It’s HBO”, que nem a HBO fora dos Estados Unidos teve coragem de traduzir do inglês. O livro reflete, enfim, a marca registrada da BBDO, onde Dusenberry trabalhou mais de 30 dos 40 anos de carreira: é preciso entreter as pessoas. É vital fazê-las se divertir, rir, chorar. Afinal, a emoção é o centro do universo humano, e livros, tal qual anúncios, precisam emocionar. Se esta foi a intenção, ele chegou lá. Com mérito.

 

 

Box:

 

Histórias hilárias

 

Baratas — Nos anos 70, Dusenberry encontra um gerente de marketing de inseticidas. Terno de linho da moda, arrogante, cachimbo na boca, olhar perdido no horizonte, de costas, o marqueteiro balbuciava um briefing ininteligível. Descreve um comercial medíocre e sádico, onde baratas se estrebucham até a morte ao serem atingidas pelo spray. Desamor à primeira vista, o publicitário vai embora. Até hoje cita o sujeito como exemplo de paixão em seu negócio.

 

Táxi — Em 1979, a General Electric faz concorrência para buscar uma identidade que integre o pandemônio de produtos pulverizados, de lâmpadas, turbinas, torradeiras, a locomotivas. Disputam BBDO e Y&R. Quem decide é um novato em ascensão, o mais tarde famoso Jack Welch. Na véspera, mesmo com dias e noites de trabalho, só há um slogan capenga. A inspiração vem de táxi, a caminho de casa: “We bring good things to life”. A BBDO leva a conta no dia seguinte.

 

Sabão — Em 1984, Dunberry é chamado à Casa Branca para atuar na campanha de reeleição de Ronald Reagan. O cenário é favorável: o povo gosta do Presidente e sua atuação. A economia vai bem. Não há guerras. O democrata Walter Mondale, sem argumentos, bate forte no governo, o que funcionava como efeito bumerangue. Mas falta um insight para a campanha. Veio no primeiro encontro, com uma piada do Presidente. “Já que vocês estão vendendo sabão, achei que gostariam de conhecê-lo pessoalmente”. Bingo! O tema não são as boas condições do país, mas sim o seu catalisador. Reagan vence as eleições.

 

Luvas — 1984, último dia de filmagem do comercial da Pepsi, Michael Jackson, com suas inseparáveis luvas de 10 mil dólares, vai entrar em cena quando pede para fazer uma

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