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Publicado: Domingo, 9 de março de 2008

Cismei de ir

Crédito: Google Imagens Cismei de ir
Encasquetei, parti pra cima de mim e já fui logo ameaçando: eu vou. E quem sou eu pra discutir comigo? Acatei obediente. Não é de hoje que me devo essa viagem. Mas quero ir sem aviso, chegar se supetão é bom demais da conta. Pego a vida acontecendo de rédea frouxa, no passo lento, sem nada arrumadinho aguardando chegada.

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A linha da vida na mão do negro Milton aponta a vereda pra que se chegue a Minas são e salvo, assobiando em lombo de pangaré. Tia Júlia espera com o doce no tacho, mexendo em fogo brando o que éramos.
Lá na cidade, cervejas no copo espumam sobre a mesa meio bamba. Os Guedes e os Borges todos, o clube em sua esquina repleto de Brants, Bastos e Tisos, que vão parindo Nascimentos tantos pela tarde afora. Três Pontas. O sol na cabeça. Minas é dura, de pedra e de ferro, não poupa ninguém do suor na ladeira.

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São sete flautas cansadas a saudar nossa chegada. Tia Júlia espalha o sal da terra na massa do pão de queijo. Há um ritmo de monjolo que orquestra tudo ao redor, do cuco ao crepitar da lenha.
Milton, braços cruzados, monta sentinela na plataforma da estação que é a vida do seu lugar. Beto, ao sol de primavera, passa a mão pelos cabelos, ri pra dentro, fala baixo. Receia olhar nos olhos, se basta consigo mesmo.

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Que notícias me dão dos amigos? Antonia casou. Gersinho tá pra Belzonte. Os outros sempre por aqui mesmo, do jeito que você deixou quando se foi sem mais aquela. Tudo com filho criado, agora. Mas magoados contigo. Quando você foi embora, fez-se noite no viver. Eita que doeu em todos não te ver jamais. Montanha pra riba, montanha pra baixo e nada de te encontrar. Se achegue que o café saiu agorinha. E não se moleste aí, conferindo as horas como se houvesse precisão de não atrasar compromisso. O tempo aqui, é bom que te lembre, é trem que custa pra passar.

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O ciclo do ouro no nome de Minas. Depois do almoço, no quarto da tia, a rede que range. A sesta da velha, a cesta de ovos, pilão pilando fubá e o sol a pino nos costados lá de fora.
Libertas Quae Sera Tamen, mineira, liberta esse viço que não cansa os olhos nem descansa o apetite. Me diz inconfidências, mineira, que me deixem vermelho que nem goiabada. Que nem o triângulo da bandeira. Que nem a chita do teu vestido.

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Depois do amor, a fome. O doce escorre da colher aos teus mamilos. Amor de Minas é bom e manso. Espreguiçado assim, desse modo esparramado em linho branco. É pena que logo tenha que dar nos cascos, antes que chegue o teu dono oficial, ameaçando de morte essa vida que ganho nos teus braços lisos. No inverno te proteger, de manhã sair pra pescar. Verde lugar, paisagem desse caminhar.

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Ixe, nem te conto o que acontece. Senta pra não cair de costas.
Jaca madura, quase passada, pedindo corte. A seiva adocicada esculpe no ar o que Minas tem de muito mole, que a bem dizer é quase tudo no embalar das indolências. Sem pressa, como convém, no toco fiz singrar o canivete, era pequeno mas lembro, faz tantos anos e foi ontem, sou capaz de te jurar.

- Minino, vem rapidim pa drento que tá sereno.

Frases que o vento vem às vezes me lembrar. Tralhas entulhadas, secos e molhados, Minas em geral.
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