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Publicado: Quarta-feira, 16 de junho de 2010

Circo de macaquinhos

O coelho branco de Alice - a do País das Maravilhas - percorre o país, no caso o Brasil, com sua pressa mesmerizante.

- Ai, ai! Ai, ai! Vou chegar atrasado demais! Diz, tirando um relógio de bolso do seu colete e correndo, com Alice em seu encalço.

A obra mais conhecida do professor de matemática inglês Charles Lutwidge Dodgson, o Lewis Carroll, foi publicada em 1865. É uma das mais célebres do gênero literário nonsense ou do surrealismo, e um clássico da literatura inglesa.

Cheia de alusões satíricas disparadas aos amigos e inimigos, de paródias e poemas populares infantis do século XIX, é recheada de referências linguísticas e matemáticas através de enigmas. De difícil interpretação, Alice no País das Maravilhas contém dois livros num só texto: um para crianças e outro para adultos. Para as crianças, uma chatice. Para os adultos, quem sabe?

Nos palcos da capital paulista, em 2010, foi adaptada, transformando-se numa viagem repleta de brincadeiras. Vinte e quatro personagens contam a história de uma menina em busca da felicidade. Chegou acompanhada do lançamento do filme de Tim Burton, que se tornou a maior estreia em 3D, superando Avatar, e a mais gorda bilheteria no Brasil: mais de 10 milhões de reais arrecadados - dois a mais que o concorrente - em apenas um fim de semana do mês de abril.

Também o chapeleiro maluco anda solto pelas ruas. Publicitários e a mídia tiram de suas cartolas - agora mágicas - o sucesso e a penetração do chatérrimo livro de Carroll. Todo mundo fala de Alice. Alice tornou-se imperdível.

Você já assistiu "Alice"? Não???!!!! Vai sair de cartaz! Corra! Você vai chegar atrasado demais!

Coelho e chapeleiro percorrem, invisíveis, outras esferas. Pena que poucos os percebem.

Copa do Mundo? Apresse-se. Compre bandeirolas, cornetas, vuvuzelas - enfeite sua casa - o estoque das lojas está baixo - encomende qualquer coisa verdeamarela - pintura de rosto - camisetas - chinelos Raider para assistir confortavelmente à Copa - jante no restaurante X e comemore a vitória brasileira - assista aos jogos no bar Y, cada gol vale uma cerveja... E as multidões vestem-se de verdeamarelo, jantam no restaurante e assopram freneticamente suas cornetas, calçadas com chinelos confortáveis.

Incansável, o tal coelho grita que é férias e que todos devem viajar - baixa temporada aqui, alta acolá, as agências de viagens oferecem pacotes, as pessoas compram tudo o que pensam ser necessário - sempre demais. A cartola mágica oferece descontos, sonhos, desejos realizados, vende felicidade em troca de tão pouco "Um sorriso feliz? Não tem preço".

Na carreira, o coelho avisa que é o Dia das Crianças e milhares de pessoas vão às lojas comprar, comprar e comprar. Segue-se o de Finados, onde deverão adquirir flores e ir aos cemitérios - faltam flores - o preço se eleva - mas vem o Natal e as lojas devem reabastecer os estoques para que as vendas aumentem mais 8% com relação ao ano anterior.

As pessoas se apinham nos shoppings, nas lojas "a partir de 1,99", nos centros das cidades - onde é mais barato - sempre seguindo o coelho apressado, hipnotizadas pelas mágicas da cartola do chapeleiro - sem sequer notarem que ele é maluco.

Como animais amestrados em um antigo circo, ou papagaios e macaquinhos comuns, que repetem sons e movimentos, o ser humano torna-se uma massa frágil e disforme, passível de condução permanente, visto que perdeu o bom senso, o equilíbrio e a própria individualidade.

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