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Publicado: Sábado, 25 de novembro de 2017

Chato pra morrer

Crédito: pixabay.com Chato pra morrer

Há certa morbidez em falar de desejos póstumos, mas não convém adiar indefinidamente esse indesejável assunto. Seguem então algumas orientações, às quais peço obediência e respeito.

. Sempre dormi de lado, sobre o braço direito e com as pernas levemente flexionadas. Meu caixão deve ser confeccionado respeitando essa posição, por mais estranho que possa parecer o seu formato quando fechada a tampa. E que seja também providenciado um pequeno travesseiro, roxo, com penas de ganso, que deixe a cervical reta e alinhada tanto quanto possível. Já que o sono será eterno, que não falte conforto a ele.

. Falando em sono, o meu sempre foi muito leve. Como ninguém pode dar certeza definitiva sobre a inexistência de algum nível de consciência pós-morte, prefiro me prevenir quanto a eventuais ruídos que perturbem meu sossego. Assim, solicito a meus familiares que recubram o granito do túmulo com uma camada de 20 centímetros de cortiça, para que haja total isolamento acústico entre minha carcaça e possíveis defuntos-vizinhos chegados a uma bagunça.

. O mencionado granito deve ter uma tonalidade entre o marrom e o rosa, numa nuance intermediária e cambiante ao longo do dia, dependendo da posição do sol.

. Diz o ditado que quem morre come grama pela raiz. Então, que minhas refeições sejam da melhor qualidade. Exijo grama do tipo esmeralda circundando a sepultura, pois pelas pesquisas que empreendi até o momento esta espécie é a que melhor resiste à infestação de tiririca e outras pragas daninhas. Na colocação, que as placas sejam dispostas simetricamente, que as regas sejam semanais - exceto de dezembro a fevereiro - e que as podas sejam efetuadas sempre que a grama atingir 3 centímetros de altura. Nem mais, nem menos.

. Quando se morre, nem toda vaidade vai para a cova com o defunto. Há relatos de corpos desenterrados apresentarem excelente estado de conservação, mesmo com exumações feitas décadas após o óbito. Ainda que admitamos controvérsias na explicação do fenômeno, parece haver consenso de que caixões lacrados conservam o finado por mais tempo. Assim como muitas pessoas querem aparentar menos anos de vida, concedo-me o direito de aparentar menos anos de morte, e autorizo desde já a lacração do meu paletó de madeira por profissional habilitado na tarefa.
Solicito ainda que minhas roupas sejam de tecido 100% sintético, que demora centenas de anos para degradar completamente. Dessa forma, maiores serão minhas chances de parecer apresentável ao exumador.

 

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