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Publicado: Domingo, 8 de dezembro de 2013

Cena Única. Pano Rápido.

Ao tempo da inauguração de Brasília, se a memória não falha, parece que até no próprio discurso do entusiasta Presidente Juscelino, haveria uma declaração sobre as múltiplas vantagens de localizar-se a capital distante do bulício de outras praças, por demais movimentadas. Os políticos, teria dito, contariam com mais facilidade e calma na árdua tarefa de os três poderes conduzirem  um país continente.

O tempo provou o contrário.

Lá longe, bem distante, o que acontece é que os senhores eleitos e não eleitos, partícipes dos três poderes da República, conduzem muito bem e com imensa regalia seus próprios interesses. E muito longe de quem os quisesse incomodar. Essa a realidade.

Agora mesmo, há um verdadeiro picadeiro de circo a mostrar a palhaçada de mudanças e alterações para o cumprimento da pena imposta aos “mensaleiros”.

Ventilou-se por lá, certa feita, muito por alto, a ideia de um movimento, com o fim de se “repensar Brasília”. Rumores houve.

Por falar na Brasília, escondida e remota no planalto, é usual que empresas e órgãos públicos desloquem pessoal para missões passageiras, tanto breves, como outras, que duram semanas ou até meses.

O Banco do Brasil, por exemplo, tinha ali (ou teria ainda hoje) seu centro de treinamento para funcionários. Mas também, logo após os seus disputados concursos, lá se concentrava uma equipe de quase uma centena de bancários, na tarefa de correção das provas. Duravam esses trabalhos cerca de três meses.

Ao término do expediente, em variados locais, formavam-se então grupos de amigos e conhecidos e travava-se amizade com pessoas de todos os estados brasileiros. Gente de todas as profissões. E o papo rolava à solta, sobre tudo e sobre todos.

Um dos pontos de encontro, além de bares e lanchonetes, eram os cafés e livrarias do famoso Conjunto Nacional. Este o nome se outro não for, situado bem ao centro das Asas Sul e Norte. Sabidamente um ambiente referencial, nervoso e propício a irradiar para o mundo as fofocas e destemperos do país, principalmente os de origem política.

A rapaziada, de entremeio a senhores, alguns até nem tão circunspectos, num ambiente e clima de total descontração, conseguia atualizar todas as novidades. Um resumo diário dos casos da cidade faraônica. Entre verdades e invencionices, o surto inspirado de “causos” corria solto.

Então, um moço acentuadamente magro e de cabelos vastos, que lhe caíam pela testa a cobrir-lhe ora a vista direita, ora a esquerda, loquaz como ninguém, jurou ter presenciado a cena que a seguir vai descrita.

Diga-se ainda que só ao ver sua agitação, a jogar a cabeça para trás, a repelir o chumaço de cabelos, era diversão garantida. Oferecia também, a cada instante, um certificado de garantia: Eu vi. Eu ouvi. Foi ontem. Vocês ainda não tinham chegado.

Cuida-se então de repassar o fato como verdade, segundo o confidente.

Fique bem claro que não se assume nenhuma responsabilidade, pela presente transmissão ao papel. Esta, no máximo, se assegura fidedigna, tal como mero e fiel repasse de como foi contada e colhida.

Não se nega seja relativamente comum o encontro fortuito de políticos nas andanças pela capital, embora haja predileção deles por determinados endereços, sobretudo em termos de gastronomia. Possível, contudo, divisá-los também eventualmente, aqui e ali.

Da mesa de uma livraria, em que se ofereciam e folheavam revistas, divisara ele, o narrador, bem próximo, um encontro raro. Sarney, Barbalho e Maluf. Que trio.

A essa altura, os atentos ouvintes se entreolharam, como a duvidar. Aqui, no Conjunto Nacional, os três de uma vez? Vá lá.

Em resumo, a narrativa do agitado rapaz.

Disfarçadamente, conta ele, empurrara a própria mesa com os pés e chegou-se mais perto, o suficiente para ouvir, com poucas perdas do que diziam, os três ilustres personagens.

Sarney salientava que era mais do que tempo de se atender a pobreza como um todo. E se justificava a declarar que não admitia que uns poucos tivessem muito e a população ficasse na pior. Essa injustiça deveria ser reparada, confirmava o experiente homem público. Cabia a eles, de perto, como representantes do Norte, do Nordeste e do Sul.

A vez de Maluf. Tirou os óculos pausadamente e os colocou sobre a mesa e neles se fixou. Falava então sem erguer a cabeça, como se dali viesse algo profundo, fruto e resultado de muito estudo. Em tom doutoral.

Acabou interrompido pelo Barbalho, a informar: agora, não posso ajudar em nada. As ameaças e denúncias injustas sobre a minha cabeça, até há pouco, me desnortearam e praticamente abandonei meus afazeres. Preciso recuperar o tempo e o dinheiro perdido.

Foi o suficiente para que o Sarney e o Maluf juntos, como se tivessem combinado, exclamarem:

Mas ninguém aqui falou em dinheiro. Nosso assunto é preocupação com a miséria e a reunião de nós três acontece em função de nossas lideranças como políticos experientes, cada qual na sua respectiva região.

E também, quase num gesto único outra vez, se levantaram, porque alegaram ter outro compromisso por cumprir no mesmo dia. Consolaram o Barbalho e prometeram que, dali a alguns dias, voltariam ao assunto.

A gente se vê, disseram os dois, outra vez, a uma só voz.

Tinham tomado um café, os três. Era enfim o que de bom acontecera.

O Barbalho, aborrecido, ainda murmurou: foram embora e o café ficou por minha conta.

Acredite se quiser ...

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