Publicado: Sexta-feira, 22 de dezembro de 2006
Carolina de Jesus
Cá estamos, de novo, às vésperas de mais um natal. Aquela correria que endoidece todo mundo. Um sem fim de preparativos, presentes para comprar, festas intermináveis, amigos secretos...
A gente vai se envolvendo tanto nessa roda viva, em atribulações de toda a sorte que acaba se esquecendo do principal, da razão para tudo isso.
O sentimento de paz e tranqüilidade, a serena expectativa que deveria imperar e nos preparar para a celebração mais importante para os cristãos, perde-se nesse emaranhado de afazeres, alguns sem o menor sentido. Ou será que alguém gosta de ficar horas andando por ruas cheias e barulhentas, dar voltas quase siderais para encontrar uma vaga para estacionar?
De minha parte, aboli esse capítulo, prefiro me dedicar à tarefa mais agradável, um ritual que me absorve já há alguns anos e que faço com muito prazer: as comidas da ceia de natal.
Já disse aqui que considero o ato de alimentar quase sagrado e, especialmente no natal esse significado toma uma dimensão ainda maior.
A páscoa e a ceia de natal são os momentos do ano que reavivam as memórias de sabor mais refinado, trazem as reminiscências de criança, quando “eu não precisava ter esperanças, que os outros as tinham por mim”, como nos versos de Pessoa.
As longas horas passadas na cozinha, entre picar hortaliças e temperar as carnes, bater ovos, arquitetar o cardápio, são também uma forma de oração. Enquanto estou ali, mexendo as panelas a transformação vai acontecendo também dentro de mim. Lembranças de outros natais vão se misturando aos ingredientes, dando um tempero todo especial à comida. Conto as ausências na mesa, maiores a cada ano, vejo os pequeninos, promessa de continuidade, e percebo que a vida tem que seguir seu curso.
Depois de um ou dois dias nessa lida, na cozinha e na alma, o coração já está mais leve. É como fazer as pazes, trocar de bem com a vida e esquecer as agruras do ano. A comida pronta leva entre os temperos doses fartas do afeto que, espero, seja suficiente para alimentar a todos, corpo e alma.
Ainda acredito nessas pequenas magias de natal, como a alegria genuína da menorzinha das crianças da casa, entretida com os enfeites e luzes, seu ar solene ao escolher o melhor lugar para o cestinho do Menino Jesus.
Foi uma cena banal, mas que me emocionou profundamente e naquele momento, rezei para conseguir recuperar ao menos um pouquinho da fé na raça humana há muito combalida.
A menininha que é capaz de acreditar sem reservas, que estende as mãos confiando em quem as toma, certamente é o que já fui ao meu tempo e o seu gesto espontâneo me lembrou o Menino Jesus.
Ele também foi capaz de acreditar em nós sem restrições e é Seu gesto de generosidade que celebrarei mais uma vez, através dos olhos da menina Carolina.
Feliz Natal!
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