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Publicado: Sexta-feira, 1 de junho de 2007

Belarmino

Belarmino era um preto velho que vivia em uma fazenda onde nascera há quase cem anos, fora escravo e depois da abolição, assalariado.
Servira quatro gerações dos Mesquitas e agora, já bem velhinho, era muito estimado, principalmente pelas crianças que estavam sempre ao seu redor.
Muito religioso, passava a maior parte do tempo com o terço na mão, rezando, e as crianças pediam a ele:
- Belarmino reza dez Aves Maria pra Santo Antônio que eu prometi.
- E por que você mesmo não reza? A promessa é sua e o Santo não vai ficar contente se eu rezar por você.
- Você diz pra ele que eu estou muito ocupado, com muita lição pra fazer...
O outro lembrava:
- Reza pra gente encontrar a bola que perdemos no quintal.
- Você pensa que o Santo não tem mais o que fazer que procurar bola de moleque?
Mas você lembra a ele que faz tempo que eu não peço nada.
A menina aproveita e pede:
- Reza par Santa Clara fazer passar a chuva.
- Mas que é isso, menina, Você não sabe que a chuva é necessária? Se não chover as plantas morrem e vai faltar até água para beber.
- Então você pede a ela que só deixe chover de noite quando a gente estiver dormindo.
O outro garoto chega meio ressabiado:
- Reza pro meu pai não descobrir que eu tirei dinheiro da carteira dele.
- Imagine só se Santo vai proteger menino ladrão. É bom mesmo que ele descubra e lhe dê uma sova.
- Não diga isso! Se você rezar eu prometo que nunca mais faço isso.
E assim o velho não dava conta de rezar tudo o que os meninos pediam.
As crianças gostavam de ouvi-lo contar histórias.
Mas eu já contei todas as histórias que sabia.
Inventa mais uma!
A cabeça do nego veio já está ficando pirada de tanto inventar histórias.
- Mas...
-Tá bom! Amanhã eu conto uma história do tempo dos escravos. A história do Buscapé.
- Conta hoje!
- Não! Já está na hora de vocês dormirem e o nego também está com sono.
- Até amanhã!
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