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Publicado: Sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Aulas de Mecânica

Quando na universidade, lembro-me do esforço que fazia para ouvir atentamente aquelas enfadonhas preleções de Mecânica Racional. O mestre explicava rigorosamente a sua dinâmica, analisando o movimento de precessão de seu eixo e também o movimento oscilatório - denominado nutação - utilizando torques e momentos angulares, além dos consagrados princípios newtonianos.

Antes, quando nada sabíamos sobre essa estranha álgebra, e ainda tínhamos dúvida se vetores eram para ser comidos crus ou cozidos, eles já nos eram familiares. Dominávamos suas rotações com intimidade, sem nenhuma elaboração teórica. Os piões eram brinquedos mágicos. Enrolávamos um pequeno cordel em seu corpo e os atirávamos com destreza, fazendo-os girar, girar ... até que caíam extenuados pelo belíssimo bailado executado. Alguns dormiam durante a rotação, emitindo um interessante zunido.

Meu tio, o velho Nardin Andretta, era o mestre Gepeto. Além de ferrar cavalos com as ferraduras que fabricava nas forjas e bigornas - quanta sorte distribuiu ao produzi-las com 7 furos - o salão superior da oficina estava aparelhado para seus trabalhos com madeira. Confeccionou espadas, pequenos caminhões e os inesquecíveis carrinhos de rolimã. Os piões que fez eram os brinquedos preferidos. Eu tinha uma família deles: os de madeira vermelha, os mais escuros, os maiores e os menores; todos excelentes dançarinos. Eles eram moldados com delicadeza e carinho. O tio colocava um pedaço de madeira no aparelho, ligava o motor e, utilizando uma espécie de formão, torneava o caibro até transformá-lo no brinquedo. Primeiro era a parte mais gorda, depois aquela mais fina e, por último, a cabeça. Terminava, colocando um prego na parte inferior, que serviria de eixo para a rotação, apoiada num ponto que o professor da universidade chamava de pivô.

Eles giravam, giravam e nos hipnotizavam. Ficávamos horas e horas brincando com os bailarinos. Pegá-los na mão, durante o movimento, sem alterar a freqüência de giro, era tarefa para os mais experientes. Nas competições, tínhamos que ser mais agressivos. Alguns se machucavam de tal modo que, pelas incuráveis feridas expostas, jamais rodariam novamente. Tive um que era campeão; não perdi um racha com ele.

Hoje, domino razoavelmente a mecânica de seus movimentos. Fico atento para que minhas aulas não se tornem monótonas. Os fenômenos giroscópicos têm aplicação muito ampla; são utilizados em estabilizadores de navios e em pilotos automáticos de avião. Considerando que a Terra é um gigantesco giroscópio, consegue-se explicar facilmente a precessão dos equinócios, através dos torques exercidos pelo Sol e pela Lua. A Mecânica Analítica só não explica aquilo que o tio bem compreende: o brilho de alegria nos olhos dos meninos, ao observarem o bonito bailado dos piões.

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