Colunistas

Publicado: Quarta-feira, 1 de junho de 2005

As trevas descem sobre nós

O Brasil está quase conquistando mais um "glorioso" título em âmbito mundial: o de país mais retrógrado e obscurantista do planeta.

Poucos meses atrás, depois de muita luta e de uma atidude de raras inteligência e sensibilidade por parte do legislativo nacional, foi aprovada a pesquisa com células tronco embrionárias, um importante passo para frente, no campo da ciência e da medicina terapêutica. Mas alegria de pobre dura pouco. Eis que um alto membro do judiciário nacional vem com a tentativa de fazer o passo para frente virar dois passos para trás. É realmente o cúmulo, ainda mais pelo fato de o dito membro, que não pode se dar ao luxo de esconder-se sob a capa da ignorância (como certos analfabetos que populam certas redes de televisão), repetir argumentos parecidos como os que os analfabetos científicos usam para desinformar o cidadão e tentar induzí-lo a reprovar linhas de pesquisas importantíssimas para o avanço do conhecimento e do tratamento de muitas doenças, que até hoje não tinham esperança de cura.

Conforme o jornal o Estado de São Paulo (edição de 31/05/2005), o procurador-geral da República, Claudio Fonteles, protocolou uma ação para bloquear o ítem da lei de biossegurança que autoriza as pesquisas com células tronco embrionárias oriundas de embriões obtidos por fertilização in vitro, há mais de três anos. O citado procurador, de acordo com a referida edição de O Estado de São Paulo, afirma que se pode provar que as pesquisas com células tronco adultas são mais promissoras que as com células embrionárias. Mas com todos os anjos e arcanjos, para não falar nos demônios, como é que se pode saber isso de antemão ?! Como se pode saber o quer vai dar ou não bons resultados se não se realizar as pesquisas ? Eu já expliquei a falácia e a estupidez desse argumento no artigo Células Tronco e pesquisa, mas torno a enfatizar aqui o completo disparate dessa argumentação.

Nós não conhecemos nem 1% das leis que regem os fenômenos da natureza, entre eles o processo de diferenciação das células tronco (adultas ou embrionárias). Por isso é que se necessita da realização de pesquisas, de estudos, de um longo e abrangente programa de pesquisa para se esclarecer os mecanismos da diferenciação celular e, só então, será possivel discernir qual tipo de célula é mais apropriada para determinados fins. Não se pode advinhar os resultados de uma pesquisa ou se uma linha de pesquisa é mais promissora do que outra. Nem biólogos profissionais podem fazer isso com 100% de certeza. No caso das células tronco, o único concenso que existe até o presente momento aponta justamente na direção oposta ao afirmado pelo procurador: as células tronco adultas não podem se transformar em qualquer tecido do corpo humano, podem se transformar apenas em alguns deles; as células tronco embrionárias, ao contrário, podem transformar-se em qualquer tecido do corpo humano. Pode até acontecer que, depois de muitos anos de pesquisa, não se consiga conhecimento suficiente para induzir essas células embrionárias a transformarem-se nas células que quisermos, conforme a necessidade terapêutica. Isso é uma possibilidade e todo pesquisador de verdade está plenamente ciente dela. Isso acontece com todas as pesquisas em todos os ramos da Ciência. Ciência é busca, é exploração de mundos desconhecidos, é aventura do pensamento. Não se pode, repito, advinhar o que vai ocorrer no curso de uma pesquisa. Sempre há surpresas nos cantos mais recônditos da natureza. Por tudo que se conhece hoje, as esperanças de se compreender a transformação (especialização) das células tronco embrionárias são muito grandes. O argumento de que a pesquisa com células adultas seja mais promissora é uma conversa das mais falaciosas e sem nenhum fundamento.

A Ciência não avança com dogmatismos e intransigências. O avanço colossal que se verificou no último século, particularmente nos últimos 50 ou 60 anos, se deve ao fato, entre outros, de que várias linhas de pesquisa são conduzidas ao mesmo tempo, em diferentes partes do mundo ou de um mesmo país. Se todo mundo apostasse todas as fichas na mesma pesquisa e ela se mostrasse improdutiva, a humanidade inteira sairia perdendo. Perder-se-iam décadas. É fundamental que tanto pesquisas com células tronco adultas como com células tronco embrionárias caminhem simultaneamente. E mais, conhecimentos adquiridos numa dessas linhas de pesquisa podem ajudar no andamento da outra linha de pesquisa. Isso é fato comum na Ciência.

É triste e trágico ver um alto dignatário de nosso judiciário não estar ciente desses fatos básicos da vida. Que país é esse ?

Outra calamidade que nos assola é a dos auto-nomeados defensores da vida, na sua maioria religiosos. Essas pessoas fazem discursos muito bonitos, cheios de moralismo e de palavras empoladas em defesa de uma tal "vida". Mas na boca dessa gente, "vida" é um conceito muito abstrato. Parece que, para eles, pessoas com certas doenças degenerativas - para as quais uma possível terapia com células tronco poderia ser a cura - não são "vida", ou pelo menos são menos vida que um conjunto de cem ou duzentas células congeladas e que não podem, por prudência e precaução médicas, serem implantadas num útero. As células congeladas são vida maravilhosa, mas as pessoas doentes, adultas ou crianças, parece que não são uma vida digna de atenção.

Outro fato intrigante, para dizer o mínimo, concernente aos auto-nomeados defensores da vida, é que eles nunca assumem - de maneira clara, honesta e objetiva - uma postura sobre o destino que se deve dar aos embriões congelados (oriundos de fertilização in vitro) há mais de três anos. Já que esses arautos da vida embrionária não aceitam que esses embriões sejam utilizados na pesquisa científica, o que eles propõem que se faça com esses embriões ??? Será que se deve mantê-los congelados até o dia do juízo final ? Será que eles preferem que esses embriões sejam incinerados ? Jogados no lixo ? Tudo isso ao invés de servir à nobre causa da busca da cura ? Por favor, não me venham com o jargão de que essa ou aquela igreja sempre foi contra a fertilização in vitro. Disso já sabemos. O que está em jogo não é o que deveria ter sido, mas o que é de fato, ou seja, que os tão amados embriõers estão lá, congelados, há mais de três anos e não vão mais virar bebês. Estes não são hipot

Comentários