As Satúrnicas VI
OURO DE TOLO (BE HAPPY)
Li recentemente uma entrevista em uma revista de grande circulação nacional, que me deixou estupefato: o pesquisador inglês Aubrey de Grey, que conduziu durante 14 anos suas experiências na prestigiada Universidade de Cambridge, na Inglaterra, afirma que em função de tecnologias médicas já disponíveis, e outras que despontam no horizonte da ciência, o ser humano dentro de uns 25 anos, estará habilitado a habitar o planeta Terra, com o mesmo corpo, não pelos oitenta e poucos anos de que dispomos atualmente, mas por uns mil anos.
Mil anos. Exatamente isto que você leu. Mas o motivo de minha estupefação, ao contrário do que você leitor, talvez possa estar imaginando, não é a ousadia da mente brilhante do cientista inglês, e nem a maravilha de nossa moderna sapiência. O que me espanta é que existam pessoas que desejam permanecer vivas na Terra por mil anos.
O que faríamos em mil anos, diferente do que fazemos em oitenta?
Sim, podemos dar oitocentas e noventa e nove voltas no globo, comer todas as comidas exóticas possíveis e imagináveis. Beber todas as cachaças. Experimentar todas as posições do Kama-Sutra e inventar outras tantas que deixariam os seus autores envergonhados... Rezar para todos os deuses, meditar em todos os mosteiros - Se o seu lance for assim meio “espiritual sem uma religião definida”- Fumar todos os Haxixes, cheirar toda Cocaína possível e impossível... Outras drogas talvez, que produzissem um orgasmo nunca antes sonhado... Um orgasmo que durasse... Três horas... Ou três anos... Aprender a pilotar todos os tipos de carros, barcos, helicópteros. Asa delta, saltar de paraquedas. Podemos todos ganhar medalhas de ouro nas olimpíadas e nos tornar tão bons de bola quanto o Ronaldinho Gaúcho. Podemos aprender a tocar todos os instrumentos musicais e nos transformarmos em Edward Van Hallen... Ou Rafael Rabello... Poderíamos nos tornar escritores tão profundos como Dostoyevsky. Artistas tão revolucionários quanto Jackson Pollock... Sem o inconveniente de termos que suportar a dor e o sofrimento existencial que a sensibilidade excessiva dessas pessoas lhes custava, nos menos de oitenta anos que suportaram por aqui... Podemos? Sim, podemos... Ser inteligentes como Jonh Lennon... Como Mick Jaegger... cantar e rebolar I Can’t get no... Satisfaction... Por mil anos... Especialmente as pessoas que passarem esses mil anos montadas na grana... Mas... Uma pergunta aqui dentro não quer calar: será que o nosso nível de consciência mudaria tanto assim nesses mil anos?
E se não mudar muito, e a gente ficar mil anos dando voltas e mais voltas ao redor do umbigo do nosso ego, repetindo os mesmos erros, teimando as mesmas teimosias, enxergando o mesmo horizonte limitado e machucando a nós mesmos e aos nossos próximos mais próximos com as mesmas faltas de amor, coragem e compreensão que exercemos ao longo de oitenta e poucos?
Alguém poderia argumentar que com mil anos, e sem o fantasma da velhice nos atormentando, teríamos mais tempo para mudar, para evoluir enquanto seres humanos, nos tornar melhores.
Como vamos saber? Não sei... Mas penso que há aqui, algumas questões fundamentais. Questões das mais importantes para estarmos discutindo atualmente, além do caminho das Indias: o que é a morte, o que é a velhice e para o que é que estas coisas servem?
E elas servem para alguma coisa?
Vamos ver alguns trechos da entrevista do “profeta da imortalidade”: (DE GREY, Aubrey, Revista Istoé, Numero 2070, 15 Jul 2009, Editora Três. Pgs.6 a 11.)
Não ficaremos mais frágeis, decrépitos e dependentes com o passar dos anos... O que temos que ter em mente é que é muito ruim para a humanidade saber que todos ficarão frágeis e doentes com o passar do tempo...
Parece um trecho de alguma fala do “Grande Administrador Mundial” do Admirável Mundo Novo de Huxley, né? Mas... Será que é isso mesmo? Quero dizer, será que a fragilidade e a dependência de nossos semelhantes, a que a velhice nos convida, são realmente ruins?
É óbvio que eu também sei que a resposta óbvia para esta pergunta é sim. Mas como um velho judeu, respondo uma pergunta com outra: Bom? Ruim? Para o quê? Para quem? Sob que ótica, diante de qual paradigma?
O escritor e analista junguiano, James Hillman, um velho judeu, que recentemente publicou o livro: A Força do Caráter, onde aborda a vida na terceira idade de uma forma brilhante e revolucionária, começa a sua obra com uma frase surpreendente que já muda o rumo da nossa conversa: “A velhice não é acidental, é algo necessário á condição humana, pretendida pela alma.”
A velhice não é acidental? Como assim? Então quer dizer que é algo que faz parte da vida, algo pelo que temos que passar, algo que faz parte do projeto de quem nos criou, seja Deus, Darwin, Dawkins, ou quem você preferir?
Por qual razão, Jesus, Baha’u’lá, Buda, Jeová, Alah, Jah, ou ainda o acaso, se você preferir, desejaria que nós, suas criaturas preferidas (?) passássemos por algo tão feio e sem heroísmo e glória, como é a velhice?
É algo necessário á condição humana? Necessário? Necessário para o quê? Voltamos á nossa pergunta anterior: para o quê servem a morte e a velhice?
E para arrematar: a velhice é algo PRETENDIDO pela alma? Pretendido? Quer dizer... Desejado? A alma deseja a velhice? Quem é essa tal de alma, de que lado ela está jogando? Por que a alma desejaria a velhice? Qual é a vantagem evolutiva da velhice? Por que razão uma mulher linda, maravilhosa, desejada, poderosa, precisaria passar anos de sua vida sem a sua beleza e poder, e ainda depender do amor dos seus filhos (filhos?) para ter um pouco de carinho e afeto verdadeiros, quando isto é a única coisa que realmente necessitamos?
Por que razão um homem voraz, riquíssimo, poderoso, um garanhão, precisaria passar por alguns anos de sua vida sem poder usar o seu poder para nada além de conseguir furar a fila do urologista, e ainda depender do amor dos seus filhos (filhos?) para ter um pouco de carinho e afeto verdadeiros, quando isto é a única coisa que realmente necessitamos?
Vejam como estas questões nos colocam diante de encruzilhadas.
Não tenho respostas para elas. Assim como você que está lendo estas linhas, também vivo imerso em um paradigma que me ensina que o objetivo da minha vida é que eu “pegue” todas as mulheres que eu puder, tenha um carro melhor do que o do meu vizinho, e seja feliz. Mas assim como você, também não faço a menor idéia do que seja: “seja feliz”.
Será que se eu der oitocentas e noventa e nove voltas no globo, comer todas as comidas, experimentar todas as cachaças, drogas, posições do Kama-Sutra, etc., sempre jovem e belo como o Dorian Gray de Wilde (ser
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