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Publicado: Segunda-feira, 26 de setembro de 2011

As Satúrnicas V

UM CARRO CHAMADO SÍMBOLO

Não é novidade pra ninguém, que vivemos em uma época onde a publicidade já transcendeu há muito o seu lugar de divulgadora de produtos, para se tornar uma peça chave da cultura, seja lá o que essa palavra signifique atualmente.

Não é finalidade deste texto, discutir os prós e os contras deste fenômeno, e nem tenho pretensões sociológicas, antropológicas, moralistas ou o que quer que seja. Venho aqui sempre dividir minha perplexidade e minhas tantas dúvidas com meus leitores, no intuito de me entender melhor, e ao mundoido-abilolado em que nos encontramos...

A jornalista canadense Naomi Klein escreveu um livro indispensável para quem quiser entender o fenômeno. Chama-se “Sem-Logo”, ou “No-Logo”, no original, e é um estudo muito sério e bem escrito sobre o que ela chama “A tirania das marcas num planeta vendido”.

A autora traça um breve histórico, de como os comerciais e as marcas passaram de identificações de produtos, a produtos. Simplificando, o que a autora está querendo dizer, é que nós não compramos mais uma bebida escura e gasosa chamada Coca-Cola, por exemplo, nós compramos algo imaterial, espiritual: Coca-Cola. Nos identificamos com o “mundo de Coca-Cola”, que nos é apresentado nos comerciais da Coca-cola quando compramos uma lata da Coca-Cola. Nos tornamos: acionistas de uma fantasia.

Não estamos mais comprando coisas, estamos comprando idéias, filosofias, posicionamentos, valores, que são “agregados” (eita palavrinha adorada pelos publicitários...) ás coisas que nos servem apenas de “hardware” para essas idéias, ou valores. As coisas mesmo, já não nos interessam tanto... Compramos qualquer coisa, fabricada em qualquer país da Ásia, por operários que recebem migalhas pra sobreviver... Não estamos interessados se essas coisas são de “qualidade”, ou vão durar... As coisas são apenas hardwares, que servem de base ao que realmente nos interessa, que é a fantasia coletiva... Segundo Naomi Klein, vivemos uma espécie de alucinação coletiva...

Será?

Todos nós sabemos que artistas e esportistas ganham milhões de dólares para agregar (óiaelaí traveiz) a sua imagem a um determinado produto, e todos sabemos que os custos serão passados para os consumidores, ou seja, nós mesmos...

A pergunta que não quer calar é: por que compramos, o que compramos, por que pagamos mais se sabemos que é uma ilusão?

Quando joguei essas perguntas aos meus “seguidores” do Twitter, muitos me disseram que o objetivo é sermos ou parecermos “melhores”, ou pelo menos iguais aos nossos vizinhos e colegas de trabalho que já possuem os objetos abençoados pelos “ícones” do “deus-mídia”.

Sim, sim, também conheço essa linha de raciocínio que sei ser correta, e não a descarto. Mas acho que já superamos essa fase, da “adolescência do marketing”. Acho que já chegamos a sua “maturidade”, acho que estamos diante de um fenômeno que vai além da simples ostentação e da aceitação social.

O que será? O que estamos querendo, quando compramos um produto abençoado por um “deus-da-mídia”?

Por acaso estamos achando que vamos incorporar os atributos de beleza física, força, habilidade, sucesso, etc., desses artistas e esportistas quando compramos a marca que eles estão endossando?

Algo assim como os antigos canibais, quando devoravam as suas vítimas?

Então estamos pagando para canibalizar virtualmente os nossos artistas e esportistas? Estamos pagando pra que eles sejam heróis e “femmes fatales” por nós, enquanto nós seguimos vivendo nossas vidinhas insossas e inexpresívas? Ou que pelo menos pareçam ser?

E devoramos os objetos abençoados por eles, para que, em nossa alucinação, possamos ser possantes, vigorosos, corajosos, tesudos, belos e perfeitos que nem eles? Uma espécie de fetichismo monumental, uma espécie de “idolatria vudu da coisa” que movimenta bilhões de dólares todos os anos, e já é uma das principais ferramentas do ultra-capitalismo que vivemos, se não o próprio?

Então, o que eu estava comprando era o espírito de Eric Clapton, David Gilmore, e do velho Jimmy, quando comprei meus vilões “Fender” fabricados na Coréia?

E quem fica horas numa fila pra comprar o novo iPod, o que está comprando? Um passaporte para a pós-modernidade?

Talvez...

O velho e bom Freud (seria Freud uma marca? Como Ford? Será que estou citando Freud para “agregar valor” ao meu texto insosso e inexpressivo?) já dizia que nós não admitimos viver sem a ilusão, e exigimos ser enganados, quando lhe perguntaram por que as pessoas votam em políticos notoriamente mentirosos. (e taí o Tiririca que não me deixa mentir).

Estava pensando nessas coisas todas quando vi o nome do carro que me ultrapassou naquele instante: Símbolo...

Sim, o carro se chamava “Símbolo”. Pura e simplesmente isso: Símbolo.

Sim, eu acabara de ser ultrapassado por um “Símbolo”.

Aquilo era demais, meta-linguagem total, os caras chamaram o símbolo de símbolo. Tipo: você não está comprando um carro, está comprando um símbolo, então, por que não chama-lo logo pelo nome: Símbolo.

Segundo o velho e bom Jung (olhai eu de novo agregando valor ao texto), um símbolo “é a melhor expressão possível para algo desconhecido”.

Ou seja, quem compra o carro Símbolo não está comprando um carro, um monte de lata e borracha, está comprando uma expressão de algo desconhecido, como todos os outros carros, a diferença é que este é um carro meta-linguagem.

No começo do século passado, o artista Marcel Duchamp entrou para a história da arte ao colocar um mictório público em uma exposição de arte.

Os caras que criaram o “Símbolo” fizeram algo parecido...

Chamaram o símbolo de Símbolo...

E o que tudo isso está simbolizando? Qual é o desconhecido que se esconde atrás de todo esse fenômeno de virtualização e alucinação coletiva?

O que nos falta tão violentamente, que nos leva a pagar fortunas por símbolos, que sabemos serem apenas símbolos?

Apenas símbolos?

Apenas? 

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