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Publicado: Segunda-feira, 22 de novembro de 2004

Arafat, Sharon, Bush e nós

Depois de uma agonia em hospital militar de Paris, Yasser Arafat partiu cercado do sofrimento dos palestinos, da admiração de muitos e do ódio de alguns. Os seus 75 anos de vida dividem-se em dois momentos radicalmente diferentes. Fundador do Hamas e da Organização Pela Libertação da Palestina, a OLP, Arafat foi um dos terroristas mais temidos do século passado. Em visita feita à sede da ONU, embora visivelmente armado, ele ergueu um ramo de oliveira, comprometendo-se a continuar lutando pelo seu povo, os palestinos, mas seguindo caminhos diferentes.

Mereceu, com Itsak Rabin, primeiro-ministro israelense até o seu dramático assassinato por um jovem direitista e fanático judeu, o Prêmio Nobel da Paz. Nem um, nem outro, contudo, conseguiu fazer prevalecer a paz no Oriente Médio. Mas ninguém pode dizer que a paz foi, nestes últimos anos, o sonho de ambos. Os dois povos por eles liderados lutam entre si e matam-se procurando destruir-se na terra em que o Nazareno proclamou: “Bem-aventurados os que constróem a paz! Eles serão chamados filhos de Deus!” (Mt 5,9).

A misteriosa enfermidade que levou Arafat à morte, pode significar e pressagiar tempos novos. Antecipa, esperemos, um futuro de entendimento e de paz, de uma convivência senão fraterna, pelo menos possível e necessária dos dois povos. Lembrando a história, costumo dizer que os desencontros entre judeus e palestinos vêm desde o enfrentamento bíblico do pequeno David e do gigante Golias. Afinal David, pastor de Belém feito rei de Israel, e Golias, o gigante filisteu por ele vencido, não só representavam os dois povos, agora invertidos em sua força e poderio militar. Israel é hoje uma respeitável potência armada perto dos palestinos com as fundas e pedras de suas crianças e jovens, sinais da fraqueza e da bravura dos palestinos.

Suponho que o leitor esteja informado. Golias era um guerreiro filisteu, antigos habitantes da Palestina dos tempos de David e Jesus. Filisteu deu palisteu e palisteu acabou dando em palestino. Na realidade, os palestinos não são árabes ou beduínos do deserto. Acabaram assimilando a cultura, a língua, a religião e os costumes dos árabes, no século VII, com Maomé, os atropelos dos islamitas ou muçulmanos, primeiro no Oriente, na Terra Santa e depois no norte da África e na Península Ibérica.

Voltando um pouco mais atrás na história, árabes e judeus têm o mesmo sangue paterno, do Patriarca Abraão, saído de Ur, na Caldéia, conduzido a Canaã, a Terra Prometida a ele e seus descendentes por Javé. Admirado e venerado por judeus, árabes e cristãos, Abraão teve dois filhos: Ismael, concebido pela escrava Agar, e Isaac, gerado por Sara, sua esposa. Assim, ambos nasceram do mesmo pai, embora de mães diferentes. Tudo antecipava entre os árabes descendentes de Ismael e os judeus, de Isaac, uma convivência harmoniosa na história. Não é o que vem acontecendo desde que Maomé, no século VII, fundou o maometanismo, somando elementos da legislação e dos costumes judeus, cristãos e pagãos.

Agora, parece ser mais viável uma reconciliação e convivência na Palestina, entre a pequena Israel e a ainda menor Cisjordânia e Faixa de Gaza. São cerca de 5 milhões de judeus de um lado e quando muito 3 milhões de palestinos de outro. Ficam pendentes alguns grandes e difíceis problemas. Entre eles o do retorno de alguns milhões de palestinos expulsos de suas terras, sobrevivendo miseravelmente em acampamentos da Jordânia e Egito, na Síria e Líbano, o do desmonte das fortificadas colônias judaicas nas terras da atual administração palestina, a saída de cena dos grupos radicais palestinos, especialmente o Jihad, o Hezbollah, o dos direitos dos sírios às colinas de Golã e da soberania reivindicada pelos palestinos em parte da cidade de Jerusalém.

A menos que os eventuais substitutos de Yasser Arafat sejam líderes moderados, que os impulsos belicosos do radical Ariel Sharon e dos dirigentes do Likud, partidários do “olho por olho, dente por dente”, sejam apeados do poder nas próximas eleições, parece muito difícil, senão impossível, a superação do clima de conflito e violência que, de um momento para outro, explode em atos de terrorismo suicida ou de assassinatos seletivos.

Queira Deus que a recente reeleição de George W. Bush faça cair em si o fogoso Presidente, francamente favorável aos israelenses em seu primeiro mandato. Certamente, o poder mediador dos governantes americanos, pode e deve ser colocado a serviço do entendimento e da paz. Esse novo posicionamento será decisivo frente à fragilidade das pressões da União Européia, da Inglaterra e da ONU. Jerusalém, cujo sentido é “cidade da paz”, a Palestina de ontem santificada pelos passos, pela mensagem transformadora e pelo poder do sangue redentor de Cristo, o “Príncipe da Paz” segundo a profecia de Isaías, possa voltar o quanto antes a ser a pátria de três povos - os judeus, os palestinos e os árabes — que construam e transformem essa problemática região do Oriente Médio em um espaço de fraternidade e paz, de convivência respeitosa. Todos estamos interessados e pedimos ao mesmo Deus comum, esses novos tempos.

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