Colunistas

Publicado: Sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Aproveitar o Tempo

 
Uma das ocorrências modernas e sobremodo aborrecidas, é a verdadeira injunção às pessoas para esperar atendimento em repartições públicas. O mais gritante dos exemplos disso, a espera na fila das casas bancárias. Com a agravante de que muitos bancos, ao serem bancos, não têm bancos. A tortura é em pé.
 
A minimizar essa enfadonha contingência, alguns clientes se salvam com boas saídas. Estabelecem papo com os vizinhos da fila. Amizades às vezes ali nascem, porque alguém suspira de raiva ou de cansaço e é de pronto aprovado por quem esteja na frente ou atrás. A partir dessa lamúria a dois, passam a se conhecer.
 
Outra saída, a daqueles que providencialmente levam revista ou livro, para se entreter e, nisso, aproveitar bem o tempo que seria perdido.
Nesse filão, mesmo ao não se usar o termo no significado de filas, com um pouco de criatividade, de fato serão inúmeras as chances de transformar um intervalo ocioso numa ocupação proveitosa. Olhe-se cá um exemplo corriqueiro para evitar a perda até de ligeiros dois ou três minutos que, repetidamente, vão perfazer horas inteiras ao longo do tempo: interrupção nos programas de TV para as indefectíveis mensagens comerciais. Muita gente percorre outros canais nesses minutinhos, sem falar que ali na frente pode surgir um programa mais interessante, que deixa esquecido o anterior. É irritante, na Globo, a insistência em mostrar CDs e DVDs. O atrevimento desse marketing produz então efeito negativo. Mesmo que seja para voltar à novela das nove, é comum a fuga aos intervalos.
 
Quase uma prática, noutros casos, em longas viagens, a leitura de jornais e revistas. Desde os tempos dos trens da Sorocabana, é imorredoura a cena daquele personagem, rigorosamente uniformizado, de boa casimira azul marinho, com gravata, a sigla da EFS bordada em vermelho no quepe e na gola da jaqueta. Em geral simpático, adentrava os vagões, a oferecer material de leitura. Os trens se foram e caiu bastante essa prática, mesmo nos percursos domésticos de aviação, com o fito de otimizar custos, mas, vez por outra ainda se consegue alguma coisa.
 
E justamente aqui se levanta outra questão.
 
Será que essa correria, esse vai-e-vem, uma afobação estressante, é mesmo fórmula ou jeito de se viver bem?
 
Um fato. Não se permite o homem as paradas e os descansos, imprescindíveis à saúde e para ajudar a emprestar sentido digno à vida. Deve sim haver no dia-a-dia de todos alguns momentos de pausa total. Trégua para si mesmo. No final do dia, após o jantar, se possível, compensa estar sozinho na sala da frente ou noutro compartimento calmo da casa ou, ainda, na área externa. Faz muito bem. Repassar os feitos do dia ou, o que é bem mais problemático porque incompreensível a muitos, dar-se ao gozo legítimo de não pensar em nada.
 
Uma salutar assepsia da mente. 
Um estudioso anônimo da premência desses filosóficos encontros do homem consigo mesmo, que conta o processo aos íntimos mas faz jurar que não lhe revelem o nome, recomenda alguma coisa um tanto ousada. A de que, de tempos em tempos, o cidadão vitimado pela imposição de um cardápio inaceitável de ocupações, se entregue por pelo menos uma hora deitado, de olhos abertos contudo, a conversar consigo mesmo em voz normal, portanto audível. Fale alto, sem exagerar, o que evidencia a sua decisão. Componha-se então nesse monólogo-diálogo em considerar fatos, acontecimentos e pessoas de seu convívio próximo. À vista de que não vai sofrer questionamento dos outros, que não se acanhe de os oferecer a si próprio. Sopese e seja imparcial consigo, algo aparentemente contraditório, mas na verdade redundante e útil, para depurar todas as suas considerações.
 
Se você topar a parada, fique tranqüilo. Será um segredo de si para consigo e tão bem guardado que só você tem condição de frustrá-lo.
 
O ficar sozinho lhe traz calma. Ideal esse caminho para aprender a meditar, no sentido religioso da intenção, qualquer que seja sua crença. Um caminho seguro para oferecer passagem do recolhimento do espírito para as reflexões de ordem espiritual. Tornam-se estas, daí, altamente frutuosas.
Comentários