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Publicado: Segunda-feira, 5 de julho de 2004

Amor, maior valor do Reino

Depois de lembrar que o anúncio do Reino de Deus, em alguns textos do Novo Testamento, também chamado de Reino dos Céus, é tema central na pregação de Cristo, lembrei algumas parábolas narradas pelo divino Mestre a seu respeito: a do pequeno grão de mostarda que acaba se transformando em uma grande árvore, a do agricultor que semeia a boa semente, a do joio e do trigo que crescem lado a lado.

Cristo em sua vida pública não trata, explícita e deliberadamente, sobre os valores que distinguem o Reino de Deus do reino do Maligno. Mas é fácil perceber, no conjunto da mensagem do Nazareno, que o Reino de Deus se caracteriza pelo amor e a justiça, a pobreza e a paz, a graça divina, a verdade e a simplicidade. No coração humano, nas famílias, nos grupos e na sociedade, espaços do Reino, devem encontrar-se tais valores que excluem, como é evidente, o ódio e a negativa ao perdão, as injustiças e discriminações, o pecado e o erro, o exagerado apego aos bens materiais, a violência e o orgulho.

De todos esses valores que acabam gestando a nova sociedade dos homens, o que Santo Agostinho de Hipona chamava “Cidade de Deus”, em clássico livro da patrística latina, o amor, a caridade, são, sem dúvida, o valor maior, o mais importante e mais característico dos valores do Reino.

Pensam alguns, erradamente, que nos livros do Antigo Testamento, chamados da Lei e dos Profetas, prevalece a “Lei de Talião”: olho por olho, dente por dente. Ao amigo, amizade, ao inimigo, o ódio. Na realidade, a prevalência da onipotência criadora de Javé, a justiça daquele que é chamado de “Rei dos Exércitos”, não exclui a lei do “amor ao próximo como a si mesmo”. É o que se pode ler no livro Levíticos, capítulos 18 e 19, ou outras passagens veterotestamentárias. Prevalecem, entretanto, em todo o longo período da história que precede o advento e a pregação de Cristo, a justiça divina e a justiça humana.

A proclamação do amor, da caridade, no sentido de benevolência para com o próximo, de virtude sobrenatural, faz parte integrante e destacada do célebre Sermão da Montanha, narrado de modo mais completo pelo evangelista Mateus nos capítulos quinto, sexto e sétimo do seu Evangelho. Impressionam entre as bem-aventuranças a da mansidão, a dos misericordiosos e dos pacíficos. “Bem aventurados, felizes, os mansos porque possuirão a terra, os misericordiosos porque alcançarão misericórdia, os pacíficos porque serão chamados filhos de Deus!” (Mt 5,5 ; 7 e 9). Mansidão, misericórdia e construção da paz, sem dúvida são atitudes que brotam do amor, fluindo da caridade.

Pouco mais adiante lê-se em São Mateus, um do Grupo dos Doze que conviveram diuturnamente com Cristo por três anos: “Ouvistes o que foi dito aos antigos: ‘Não matarás, pois quem matar será castigado em julgamento do tribunal... olho por olho, dente por dente... amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’... Eu, porém, vos digo: se estás para fazer a tua oferta diante do altar e te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com o teu irmão... não resistas ao mau e se alguém te ferir na face direita, oferece-lhe também a outra... Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos maltratam e perseguem. Deste modo sereis filhos do vosso Pai celeste, que faz nascer o sol tanto sobre os bons quanto sobre os maus... Se amais somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem assim também os publicanos? Se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não fazem assim também os pagãos? Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos céus!” (Mt 5, 21-48).

São palavras que não se encontram em nenhum outro livro sagrado e menos ainda em qualquer dos clássicos gregos ou latinos. Bastariam para revolucionar os relacionamentos entre os indivíduos e povos. Mas é apenas o que o Mestre proclamou do alto da montanha da Galiléia, no início de sua pregação. Durante toda a sua vida, e particularmente nas suas últimas horas, ele irá ainda mais longe, destacando o amor comovente na parábola do bom samaritano e, de modo especial, no Cenáculo de Jerusalém, quando despedindo-se dos Doze lhes dirá: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei! Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida por seus amigos. Vós sereis meus amigos se fizerdes o que vos mando. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros!” (Jo 14, 12-17).

Em outros termos não menos impressionantes, o Apóstolo Paulo dirá o mesmo em sua primeira Carta aos Coríntios, em página que poderia ter o título de “Hino ao Amor, à Caridade”: “Ainda que eu falasse a língua dos homens e dos anjos... mesmo que eu tivesse o dom da profecia e conhecesse todos os mistérios e toda ciência... ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres e entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver a caridade, o amor, de nada valeria! A caridade é paciente. Não é invejosa. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante, nem escandalosa. Não busca os próprios interesses. Não se irrita. Não guarda rancor. Não se alegra com as injustiças. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará... Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade. Porém, a maior delas é a caridade!” (I Cor 13, 1-13). Como as palavras do divino Mestre, essa página do Apóstolo Paulo tem a força de converter o homem e de revolucionar a história. Realmente, o amor que se doa e solidariza, que acolhe, perdoa e partilha, é o valor primeiro, que mais e melhor identifica o Reino de Deus...

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