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Publicado: Quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Amor incondicional

Amor incondicional
Cadê a alma dos pais que abandonam seus filhos?

Há algum tempo venho pensando no sentimento que envolve a relação entre pais e filhos. Confesso que só o compreendi quando experimentei: o amor incondicional. E por vivê-lo intensamente é que as notícias trágicas de violência física ou emocional entre pais e filhos tanto incomoda... E assusta. Basta acompanhar atentamente os relatos dos pais que mataram seus próprios filhos, num gesto de desespero extremo, quando já não mais podiam conter os comportamentos dos filhos viciados em cocaína.

Acontece que amor de pai e de mãe não é assim tão fácil e maravilhoso como versam os grandes poetas ou como retratam os grandes artistas. 

Amar o filho é um longo exercício de desapego de si próprio, de reflexões contínuas, de remorsos e arrependimentos, de certezas e dúvidas. É a busca incessante da atitude certa, de leituras que orientem, de horas gastas na terapia. 

Amar o filho é deixar de fumar, de beber e vigiar pelo resto da vida os próprios atos para que o conselho e o sermão tenham coerência. É manter sintonia entre o gesto e o discurso. E ainda assim corremos riscos. Por mais que amemos, jamais saberemos se o que fizemos é suficiente para o desenvolvimento feliz e salutar dos filhos.  

Mas o amor de pai e mãe é incondicional e o resultado não importa. Aliás, bem pouco nele pensamos quando acordamos na madrugada fria para verificar se estão cobertos, quando deixamos de assistir ao programa favorito da TV para ajudá-los na tarefa escolar ou quando desistimos de comprar a roupa nova para garantir o brinquedo do Natal. 

A roda-viva, que ora nos faz filhos e ora nos faz pai ou mãe, ensina no tempo certo a lição desse amor e com ele nos permite a compreensão da sua imensurabilidade. Mário Quintana, nosso sensível poeta e escritor gaúcho, quando em sua poesia conceituou o amor, certamente experimentava da lição: “Amar é mudar a alma de lugar”.  

Onde está a alma dos pais que abandonam seus filhos? Não só o abandono físico, que impede o contato visual, mas o abandono da responsabilidade, que impede o exercício do amor. Sim, porque diferente das paixões avassaladoras, o amor aos filhos se constrói dia-a-dia: a cada colher de comida levada à boca, a cada fralda trocada, a cada escovação dos dentes, a cada história contada e cantada. E quando crescem um pouco mais: a cada festa junina da escola, a cada desenho animado assistido milhões de vezes, a cada tombo de bicicleta, a cada bronca... 

Tenho acompanhado algumas histórias de abandono aos filhos, relatadas pelas minhas alunas-professoras, e sinto-me incapaz de compreendê-las. Não por julgamento do que é certo ou errado. Até porque na relação pai e filho os valores são subjetivos, transubjetivos: não há padrões estabelecidos.  Há sim aquilo que fazemos ou deixamos de fazer. E, portanto, aquilo que aprendemos ou não. Mas pela constatação de que o abandono aos filhos interrompe o ciclo da roda-viva, em que o exercício do amor define a lição maior: os filhos roubam-nos a alma... E nos devolvem quando são pais.   

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