Alexanderplatz
I
Me diz: quando é que eu ia imaginar topar contigo em
Berlim, se na minha cabeça aquele você de ontem, com
gosto amanhecido de cerveja e de preguiça, ainda estava
lá onde havia te deixado, montando cavalo de carrossel e de
aparelho nos dentes? Como é que pode me aparecer assim,
sem me dar chance de aparar a barba, re-nata de sítio extinto?
II
Meio fêmea-fúria, meio mulher-nirvana, contigo no carro
roubado. A cada troca de marcha a minha mão roçando
o vestido, do joelho para a coxa. Sentia que te levava às
nuvens que inexistiam no céu daquele dia, doida varrida
envolta em pouca vergonha. À falta de boas moitas, ia no
acostamento mesmo, o sol sem pena fervendo
a lata. A carne exposta. O almíscar vencido.
III
Brincou comigo, te encontrar tão fora de contexto. Alta, linda,
senhora da vida. Sem lembrança nenhuma da mão boba do câmbio e dos
cavalos do parque. Agora, os dois defronte, querendo se livrar da
falta do que dizer. E o teu quase sorriso, de esquálido protocolo,
feria o meu desajeito. Estátuas em Alexanderplatz.
© Direitos Reservados