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Publicado: Sábado, 10 de março de 2012

Água no shampoo

Água no shampoo
Ilustração: Thiago Cayres

Não é novidade para ninguém que nosso salão está com os fios, ou melhor, com os dias contados. Ou tomamos providências emergenciais ou seremos forçados a fechar as portas.

As orientações abaixo são estritamente confidenciais. Se cairem nas mãos de alguém que não pertença ao quadro funcional, estaremos irremediavelmente perdidos. Assim, sugiro a todos que destruam este documento assim que finalizarem sua leitura.

De forma geral ficam valendo como padrões, até segunda ordem, os procedimentos a seguir.

Sem que o cliente perceba, procurem deixar o cabelo pelo menos meio centímetro mais comprido que o solicitado. Exemplo: nos cortes masculinos, se pedirem para cortar com a máquina 2, cortamos com a 3, se pedirem com a 1, cortamos com a 2, e assim sucessivamente.

Para as mulheres, sugerimos indicar como nova tendência mundial a franja quase caindo nos olhos, o que as obrigará a fazer manutenção do corte a cada 5 dias no máximo.

Vamos tentar, tanto quanto possível, canalizar os atendimentos para datas com lua crescente. Como todos sabemos, cabelos crescem mais rápido nesses dias e consequentemente o cliente volta antes.

Shampoo e condicionador: diluir na proporção de 3:1, no mínimo. E nada de repetir a operação, sob pena de demissão por justa causa.

As assinaturas de revistas, que já estavam suspensas desde 2006, prosseguem cortadas. Uma vez que ninguém mais lê revistas tão velhas, venderemos as que estão em uso para empresas de reciclagem, destacando em uma faixa ou cartaz que estamos fazendo nossa parte por um planeta sustentável, eliminando papel e colaborando para a sobrevivência das florestas.

Convênio com médicos ginecologistas.

O tempo que as mulheres perdem cortando os cabelos ou fazendo as unhas é, a bem da verdade, perdido. Assim, enquanto tratam da beleza poderiam também cuidar da saúde. Passaremos a oferecer um diferencial único no mercado: exames de Papanicolau simultâneo ao corte de cabelo, por meio de um aparato ginecológico volante, operado por médico da especialidade conveniado ao salão.

Banco de cabelos de notáveis.

Comportamento ético é muito bonito no discurso, mas não é este o caso em nossas atuais circunstâncias financeiras. Desta forma, partiremos para a fraude sem maiores dilemas de consciência. O engodo na cara dura. Simples assim: não jogaremos no lixo as mechas recolhidas no salão.

Inventaremos donos célebres para elas, avalizadas por certificados de autenticidade igualmente falsos, com o cuidado de escolher tons de mecha que correspondam à cor natural do cabelo da celebridade. Como a descoberta do golpe seria caso de polícia e de uma pauta especial no Globo Repórter, ofereceremos as relíquias só em circuito interno e para os clientes mais bobos, que caiam facilmente na esparrela. Além de faturarmos bem com a brincadeira, ficaremos com a fama de sermos o salão de beleza de gente famosa.

Outras sugestões são bem-vindas. Lembrando a todos os colaboradores o lema da nossa campanha de redução de custos: “Quanto mais cortes de cabelo, menos de cabeça”.

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