Colunistas

Publicado: Terça-feira, 7 de junho de 2005

Afeto e aprendizagem e: a linha e o linho...

Convivendo com crianças e adolescentes há alguns anos, tenho observado a importância das relações afetivas nos processos de aprender e ensinar.
Estabeleci uma analogia para desenvolver esta idéia: a aprendizagem é como o bordado de um tecido e o vínculo é a trama que se estabelece entre a linha e o linho, o aprendiz e o ensinante.
No início do nosso desenvolvimento,somos como um linho cru, que acabou de sair do tear, a espera de mãos habilidosas das bordadeiras ensinantes. Nossa família é a primeira “caixa de costura”, onde encontraremos bastidores, que nos darão segurança para iniciarmos este processo chamado Aprendizagem.Nesta instância se dará o “projeto” do bordado, o plano da arte a ser feita. Na família se inscrevem os sonhos que nossos pais tiveram conosco, antes mesmo de nascermos, quando preparavam nosso tecido, sonhavam o nosso bordado...
Quando nascemos começa a arte dos nossos pais: bordadores de seres pensantes e afetivos. Vão nos inscrevendo as cenas da nossa infância: casas, árvores, flores, espinhos... as marcas das histórias contadas antes de dormir, dos aniversários, das conversas sobre o céu e as estrelas... Certamente temos em nosso tecido/identidade bordados refeitos e pontos difíceis, frustrações que toda infância traz.
A beleza do bordado vai se constituindo quando o tecido se deixa bordar. Muitas vezes, por condições do tear, surgem tecidos não tão lineares...Darão mais de trabalho às mãos pacientes das bordadeiras. Mas serão possíveis de receber o bordado.
Quando entramos na escola passamos a receber “pontos” de outras mãos: nossos professores. Mãos muitas vezes calejadas de tanto tecido bordado, ao longo de anos de sala de aula/costura... É importante dar continuidade ao bordado, para que seja ampliado. São introduzidas aplicações do Português e da Matemática, zigue-zagues das dúvidas, as bainhas das avaliações... Podemos ter fitas coloridas das Artes e a geometria do ponto cruz.O tecido vai se colorindo com os fios da alegria de aprender. Pais e professores devem ter afinidades nos planos para o bordado,devem confiar uns nos outros, na busca pelo mesmo objetivo: uma pessoa com identidade e projetos a serem descobertos...
Nossa escolaridade vai seguindo e o tecido vai ganhando uma forma, uma função: quem sou eu? O que farei depois de “terminado” meu bordado? Entramos na adolescência e deixamos menos as mãos bordadeiras atuarem sobre nós... Felizmente, o principal já foi bordado na primeira infância: o caráter, a personalidade. Assim, temos estrutura para receber o corte da profissão e garantir nosso lugar no mundo. Estaremos formados pela trama entre o linho a linha...
A aprendizagem precisa das agulhas do pensamento e da inteligência para se constituir no bordado do Saber. Os fios são as situações de vivência que, quanto mais abundantes, mais darão chance do bordado ter harmonia. As mãos bordadeiras/ensinantes estabelecem a trama no tecido, corpo e alma do aprendiz.
Quando surgem dificuldades para aprender é necessário examinar cuidadosamente o tecido e trama inscritos nele, para compreender o que se estabeleceu em anos de laçadas, nós e arremates. Precisamos ter mãos habilidosas para refazer alguns pontos, ampliar outros e dar colorido ao desenho .
A psicopedagoga é uma bordadeira de pensamentos, construtora de tramas com as crianças/tecido, utilizando os recursos que juntas podem lançar mão para resignificar este bordado/aprendizagem.Assim venho construindo minha prática clínica, autorizando-me a pensar metaforicamente sobre este tema. Compreender e aceitar os tecidos não tão fáceis e “perfeitos” para trabalhar com crianças que precisam da nossa ajuda... Acreditar na possibilidade da beleza do trabalho terminado, aceitar o desafio de relacionar a linha e o linho, o afeto e aprendizagem.

Comentários