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Publicado: Segunda-feira, 20 de setembro de 2004

Aborto de anencéfalos

Recentíssima decisão do Conselho Federal de Medicina (CFM), acaba de tomar posição contra o aborto dos fetos anencéfalos. Contradizendo a polêmica decisão do Ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que em decisão pessoal inesperada, autorizou o aborto quando o feto estiver privado de cérebro, a resolução do CFM veio dar força à clara e oportuna tomada de posição da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pelo respeito à vida dos anencéfalos, ainda que somente tenham alguns minutos de vida após o parto.

A resolução do Conselho Federal de Medicina, que regula o procedimento dos médicos de todo o país, não se fundamentou em nenhuma razão de fé ou motivação religiosa condenando o aborto nos casos de anencéfalos. Vetou-os por razões médicas. Suposta a autorização dos pais, dada por escrito quinze dias antes do parto, vários órgãos dos anencéfalos poderão ser transplantados em crianças ou até mesmo em adultos, deles necessitados. Os pais, dizem os dirigentes do CFM, devem ser estimulados não ao aborto, mas ao respeito de um possível feto anencéfalo no ventre materno.

A argumentação dos Bispos da Presidência da CNBB, com os quais sintonizam os 420 Bispos do episcopado brasileiro, parte do respeito ao direito à vida, direito que toda pessoa tem, antes e depois de vir à luz do dia. A anencefalia é uma das patologias possíveis do feto humano. Raríssima há mais tempo e rara ainda nos dias de hoje, qualquer mãe poderá ver-se diante do doloroso problema. A avançada tecnologia médica permite verificar no período pré-natal essa anomalia, como a Síndrome de Down, graves problemas cardíacos e outros. A decisão do Ministro Mello, que ainda poderá ser revertida em próxima deliberação do STF, abriria novo precedente favorável ao aborto, além dos dois casos despenalizados desde 1940: o da gravidez decorrente de violência sexual contra a mulher e o de alto risco de vida da gestante.

Acabo de ler dois emocionantes casos de mães que, em exame pré-natal, tomaram conhecimento de que seu filho nascituro era anencéfalo estando, portanto, destinados a nascer e logo virem a morrer. Ambas decidiram respeitar a vida do filho em seus ventres, prosseguindo no seu desenvolvimento até nascer. Emociona ler nesses testemunhos, o heroísmo das suas opções pela vida e a tranqüilidade, a paz interior, resultante de suas corajosas decisões.

Um desses depoimentos maternos foi feito por um casal que se apresentou à CNBB. Resistiram a toda pressão para abortarem o filho nascituro, portador de anencefalia. Sabiam que não lhe restava nenhuma chance de sobrevivência. Mas decidiram manter a gravidez até o mês do parto. Disseram: “O bebê teve somente vinte minutos de vida. Resistimos a todo sofrimento e não nos arrependemos. Estamos em paz com a nossa consciência!”. O outro caso, que desejaria transcrever na íntegra, é ainda mais comovente, pois a narração da mãe quanto ao grave problema de seu filho anencéfalo, oferece pormenores sobre suas apreensões e angústias, quando informada do grave problema do filho que gestava. A opção pelo prosseguimento da gestação até o nascimento do filho, trouxe-lhe uma grande paz interior. Jamais teria tranqüilidade, afirma ela, se tivesse consentido na crueldade do aborto, qualquer que fosse o método adotado pelos médicos que a acompanhavam.

“A mulher foi feita para dar a vida”, foi a bela e corajosa resposta de Santa Gianna Beretta Mola, médica italiana, casada com um engenheiro, ambos integrados na Ação Católica. Eles já tinham três filhos. Durante a gestação do quarto, uma menina, os médicos diagnosticaram que um tumor em seu útero exigia o aborto dessa filha para que sobrevivesse, ou ela mesma acabaria vítima da maternidade. Gianna não titubeou. “Façam tudo para salvar a vida da criança. Eu estarei nas mãos de Deus mesmo correndo grave risco de vida”. Dias depois de gerar mais uma filha perfeita, Gianna Beretta Mola veio a falecer. Duas de suas filhas, entre elas a que nasceu dias antes da morte da própria mãe, estiveram no Maracanã, quando da terceira visita do Papa João Paulo II ao Brasil, para presidir mais um Encontro Mundial das Famílias.

O Sucessor de Pedro as acolheu e abraçou afetuosamente no grande estádio, naquela tarde em que se reuniram em torno de sua pessoa milhares e milhares de casais cristãos. Emocionados o Papa, nós centenas de Bispos presentes e a multidão, aplaudimos a tocante cena do abraço e da bênção que João Paulo II lhes dava. Todos tínhamos a certeza do amor heróico de Gianna, ainda bem-aventurada e, em 2003, canonizada, agora venerada nos altares de todo mundo, exemplo de mãe cristã forte até ao heroísmo generoso da própria vida. Sobrevivem seu esposo, as três filhas e um filho. Todos estavam na Praça de São Pedro, no dia da canonização da própria esposa e mãe! O dom da vida é sagrado. Somente Deus poderá chamar a si um ser humano vivo, pouco importa se esteja no útero da própria mãe ou nascido. A Declaração Universal dos Diretos Humanos, em seu terceiro artigo, é clara: “Todo indivíduo tem direito à vida e à segurança de sua pessoa”. Não menos lapidar é a Constituição Federal brasileira, em seus artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, violentada pelo Código Penal. É muito difícil compreender que a absoluta maioria dos juristas, sendo contrária à pena de morte dos maiores criminosos, venha o Ministro Mello solitariamente decidir pelo aborto dos fetos anencéfalos, seres vivos, pessoas cujo direito mais fundamental é o direito à vida. O aborto voluntário e provocado é declaração de pena de morte contra um serzinho vivo, inocente e totalmente indefeso. Um assassinato covarde. Deus, Senhor da Vida, um dia pedirá contas a todos aqueles — legisladores e pais, médicos, enfermeiros e curiosas — que ousaram atentar contra a vida de qualquer nascituro.

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