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Publicado: Sábado, 13 de março de 2010

A vida como um parque de diversões

A vida como um parque de diversões

 

Era a primeira vez que entrava nesses cinemas de parque de diversões chique. Confesso que duvidava da capacidade daquela parafernália toda me impressionar. Afinal, já não era mais criança a muito tempo. Tinha ouvido falar que aquela coisa era maravilhosa. Poltronas que se movimentam em perfeita sincronia com as imagens projetadas na tela imensa e um som com efeito surround impecável. Resolvi dar uma chance a minha inocência e fui conferir.

Logo que entrei me dei conta que minha esperança de sentar-me numa poltrona sem ninguém ao lado era vã. Sei que isso parece meio mesquinho e anti-social, mas eu queria espaço. Atrás de mim tinha muita gente e calculei que fatal e rapidamente todos os lugares ainda vagos, em breve, estariam ocupados.

Sendo assim, tratei de escolher a companhia que prometia ser menos incômoda. Acomodei-me entre uma senhora com ar serelepe e um gordinho rosado usando óculos com armação de tartaruga, treze anos talvez.

Uau! Nem bem o filme começou e a poltrona já começou a se mexer em sincronia com a imagem de uma nave taxeando na pista. Ela se preparava para decolar em poucos segundos. E pelo jeito eu iria junto com ela. Logo o imenso ruído das turbinas tomou conta da sala e eu já apertava com força os braços da poltrona. Confesso que estava apreensivo. Decolamos e minha poltrona fez um movimento lento deitando para trás. O gordinho ao meu lado não se conteve e gritou um eufórico “u-huuuu!”.

Estávamos em pleno espaço sideral. Enormes meteoritos passavam muito perto de nossa nave que, para nossa sorte, desviava rapidamente de todos eles. Em muito pouco tempo eu já gritava junto com o gordinho. Rapidamente, a senhora com ar serelepe engrossou o coro formado por mim, pelo gordinho rosado e por toda a sala repleta de pessoas de todas as idades, cores e credos religiosos. Éramos parceiros naquela viagem e formávamos uma equipe, éramos todos tripulantes daquela nave. Agora a cadeira fazia um movimento para frente, e mais para frente ainda, em poucos segundos estava totalmente debruçado na direção da poltrona diante de mim, é que a nave fazia um vôo em direção ao centro de uma imensa cratera. Àquela altura, eu já não ouvia mais os gritos nem do gordinho rosado nem da velha serelepe. Não que eles tivessem se calado, é que eu já gritava mais alto que os dois juntos.

Foram três minutos da mais pura emoção! Finalmente a nave pousou. Era o fim da jornada.  As luzes da sala de projeção se acenderam e os meus dois colegas de viagem soltaram os cintos de segurança, levantaram-se e foram embora. Num piscar de olhos a sala ficou vazia. Fiquei. Nunca consigo abandonar rapidamente uma sala de cinema. Eu continuava sentado, na verdade estava meio deitado como ficam os adolescentes quando não estão muito interessados no assunto.  Meu corpo parecia pesar uma tonelada e meus braços jaziam abertos, largados sobre as poltronas vizinhas. Minha boca meio aberta. Olhei para o mecanismo mecânico da poltrona da frente, para a enorme tela branca, para as grandes caixas de som dispostas ao redor de toda a sala e concluí: fui enganado. Meus sentidos me enganaram! Sendo um pouco mais complacente com eles poderia dizer que eles me iludiram ao invés de dizer enganaram. Acreditei ser o tripulante de uma nave intergaláctica. Senti todas as emoções de uma de suas jornadas interplanetárias enquanto na verdade, estive atado a uma cadeira, numa sala de cinema de um parque de diversões ao lado de uma velhinha serelepe e do tal gordinho rosado.

Quando finalmente fechei a boca e soltei o cinto de segurança que me prendia à poltrona, um pensamento atravessou minha mente com a mesma velocidade daquela nave espacial em que eu acabara de viajar. Sentei-me de novo para elaborar melhor aquilo que parecia ser um insight genial. Fiquei com a boca aberta de novo e levei o indicador ao lábio inferior. Estava naquela posição típica de quem está imerso em seu mundo interior, vasculhando sabe-se lá o quê.

Finalmente cheguei à uma conclusão: o que sentimos quando morremos deve ser isso. Exatamente o que senti quando as luzes daquele incrível cinema se acenderam. O fim da ilusão dos sentidos. Um misto de alívio e espanto ante a revelação de que estivemos o tempo todo vivendo uma grande fantasia. A morte deve ser assim. Uma revelação.

Aí então pude levantar e ir embora com um sorriso meio besta nos lábios. É que se fosse certa a teoria que acabava de elaborar sobre a morte, então a vida, com todas as suas agruras e deleites, poderia ser encarada como um dia num parque de diversões. Gostei.

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