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Publicado: Segunda-feira, 2 de julho de 2007

A vida além da cama matrimonial

Adultério é daqueles assuntos que todo mundo sabe que existe, mas prefere não discutir em público. Por isto, chama a atenção uma obra de 223 páginas sobre a luxúria e as regras da infidelidade em diversas partes do mundo. É uma viagem estranha e surpreendente que examina como e por que maridos e esposas se enganam. O título original, Lust in Translation, ainda sem tradução para o português, bem que poderia ser Anatomia do Adultério. Mas se você imagina a autoria nas mãos de algum sisudo sexólogo, ou de um cientista social destes que costuma observar entrevistados como se fossem porquinhos da índia, saiba que se enganou. O livro, que sai em abril nos Estados Unidos, foi escrito pela jovem jornalista Pamela Druckerman, ex-correspondente do Wall Street Journal em diversos países, inclusive no Brasil. Atualmente ela vive em Paris, junto com o marido e o filho recém-nascido, e seu perfil não corresponde a uma pessoa envolvida em adultérios – embora confesse que durante as entrevistas convites não faltaram.
 
Excelente repórter, Pamela consegue transformar o tema, que teria tudo para se tornar um tedioso relatório técnico, em boa reportagem. Ao equilibrar dados, entrevistas, pesquisas e casos reais – estes, por compreensíveis razões de segurança doméstica, com nomes trocados – ela faz uma viagem pelos hábitos sexuais de casais de diversificados grupos sociais. No trajeto, registra a maneira peculiar e a intensidade de cada povo quando se trata de infidelidade. Segundo pesquisa, enquanto 58% dos turcos se vangloriam de ter pelo menos uma vez traído, só 7% dos israelenses foram infiéis. Ou tiveram relações extraconjugais, pois infidelidade é uma palavra rejeitada pelos franceses, pois implica em juízo de valor, pela conotação de desonestidade e culpa. Aliás, a mesma culpa que transforma os americanos em campeões de puritanismo. E é justamente isto que a jornalista norte-americana faz melhor em seu trabalho. Ela mostra como compatriotas reagem ao adultério vis a vis os demais povos pesquisados em 24 cidades de dez países. Enquanto até se formou na América uma indústria para ajudá-los a digerir o crime contra o matrimônio, franceses, sul-africanos, japoneses, russos, chineses, e até religiosos (como judeus do Brooklin e mulçumanos da Indonésia) não estão nem aí para o problema. (E olha que a autora nem chegou a ouvir brasileiros...). Há até um congresso em Dallas, o Smart Marriages Conference, onde, numa área gigante, estandes disputam a atenção dos visitantes com soluções para consertar casamentos com infiltração. Cursos de “como evitar se casar com um imbecil” revezam-se com viagens a “Centros de Recuperação de Relacionamentos”. Tudo é válido para expiar a culpa e salvar o casamento. Uma pesquisa do Instituto Gallup de 2006 descobriu que em termos morais, os americanos condenam o adultério mais que a poligamia ou a clonagem humana. Curioso que as taxas de infidelidade nos Estados Unidos, praticamente iguais as da França, não são tão altas assim – e os 3,9% de homens e 3,1% das mulheres. Compare-se este índice com o Brasil, que tem quatro vezes mais homens enganadores contra certamente subestimados 0.8% de mulheres. Ou o campeão, o Togo, onde 37% dos homens enganam esposas, enquanto que estas, coitadas, não passam de 0.5% de envolvidas em relações extraconjugais.
 
Há algumas tentativas da autora em estabelecer regras, a partir destas estatísticas pra lá de duvidosas. Por exemplo, leis contra o adultério não costumam ser rígidas na maioria dos lugares, porque é algo quase inerente ao casamento. Ou que quanto mais pobre um país, maior a proporção de infidelidade. Mas se a traição é condenável, provoca a autora, não há evidência que pessoas fiéis se tornam melhores médicos, empresários, ou presidentes da república. Neste quesito, alfineta a atenção exagerada da mídia e opinião pública americanas no affair Clinton – Lewinky. E compara com a atitude blasé dos franceses ao saberem, após a morte de François Miterrand, que ele mantivera a vida toda amante e filha ilegítima, que até moraram em apartamento pago com dinheiro público. No dia seguinte, nenhum francês deixou de degustar camembert ou beber vinho por causa disto.
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