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Publicado: Segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A Velha e a Máquina

A máquina e Ela já eram velhas conhecidas.
 
Quando Ela era menina, (porque um dia ela foi uma menina, não importa quanto tempo já tenha se passado desde então), na sua casa havia uma máquina de escrever, o que, na época, não era muito comum. Pelo menos nas casas de suas amiguinhas de então, não havia, e Ela se sentia orgulhosa de poder escrever, à máquina, versinhos, pensamentos e historinhas, pois, já então, ela gostava de escrever e sonhava com uma cadeira na ABL. (É claro que este sonho nunca se realizou, mas isto não vai ao caso).
 
O Pai não liberava a máquina para a criançada, mas, de vez em quando, deixava que Ela a usasse e até ensinava como devia colocar os dedos sobre o teclado e usá-los todos adequadamente.
 
O tempo passou.
 
Ela teve, ao longo de sua vida, mais algumas máquinas de escrever, a última das quais, uma moderníssima máquina eletrônica que tinha vários tipos de letras e alguns recursos para facilitar a tarefa do datilógrafo (você ainda se lembra do que é um datilógrafo?).
 
Um dia ela conheceu o Computador.
 
À primeira vista pareceu-lhe uma nova e aperfeiçoada máquina de escrever, mas, logo descobriu que estava diante de uma estupenda conquista da tecnologia moderna e que sua capacidade de aprender estava muito aquém do universo de possibilidades que o PC oferecia.
 
E travou-se, então, uma verdadeira guerra entre Ela (já bem velhinha) e o moderninho, sofisticado e atrevido Computador.
 
Ele sempre fazia coisas que ela não queria fazer e não fazia as que ela programava.
 
Por quê?
 
Quando ela pensava que estava tudo OK, de repente, aparecia um recadinho em inglês, que ela não entendia. (quando vinha em português, ela não entendia, também).
 
Daí ela experimentava uma tecla, outra, outra, até que, de repente, ele enfezava e apagava tudo o que ela tinha escrito (sem salvar) e ficava travadão, precisando ser desligado no tranco.
 
E Ela xingava o coitado culpando-o pela sua burrice:
"Sua máquina danada! Ainda vou lhe mostrar que sou um ser inteligente enquanto você não passa de uma geringonça programada...”
 
O Computador só não dava uma gargalhada porque rir é uma das poucas coisas que ele ainda não faz (pelo menos até o momento em que estou escrevendo, quando você estiver lendo, é possível que algum gênio já tenha descoberto um jeito de despertar-lhe o senso de humor).
 
Aliás, o advento do Computador veio revelar muitos gênios anônimos que há por ai.
 
Crianças, que não conseguem decorar a tabuada, fazem tudo o que querem, sem precisar de aulas para isso.
 
Jovens que só tiram zero nas aulas de Inglês, que não conseguem assimilar as mais simples fórmulas de matemática ou química, entendem tudo o que ele diz, familiarizam-se num instante com a sua complicada terminologia e são capazes de encontrar tudo o que lhes interessa num piscar de olhos.
 
Todos se tornaram, de repente, criativos, perspicazes, jeitosos, interessados e...   inteligentes, uma inteligência que eu diria "virtual" porque só funciona diante da máquina maravilhosa. Na escola, no trabalho, na vida, parece, até, que a média do QI baixou.
 
Mas Ela não é uma criança, nem mesmo uma jovem.
 
Seus contemporâneos com raríssimas exceções, têm até medo do “Bicho-bravo”.
 
"Muito difícil!"
“Não enxergo bem."
“Não consigo memorizar nada!"
“Não tenho paciência para isso"
“Prá que quebrar a cabeça?"
“Que proveito vou tirar de tanto esforço?”
 
E voltam-se para o tricô, as receitas, e, o seu assunto predileto, as doenças, os remédios, as dietas, etc.
 
E ela pensa:
"Será que sou uma velha retardada que pensa que ainda é jovem? Será isto um começo de caduquice?"
 
Um belo dia, ela conheceu o Blog e descobriu como pode ser fascinante ter uma página na internet e conviver com jovens que poderiam ser seus netos ou até bisnetos e aprender com eles que, certamente, em matéria de vagabundagem virtual, são mestres inatos, as mais incríveis peripécias online.
 
E fez então uma (triste?) descoberta:
Ela, com toda sua vivência, não tinha nada interessante para ensinar-lhes!
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