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Publicado: Segunda-feira, 26 de março de 2012

A tábua

Crédito: Divulgação A tábua
Vista de Santos a partir do Monte Serrat

Sempre fui um aluno esforçado quando a matéria era geografia. Amava a tal disciplina, mas confesso que apesar de me virar bem sem um GPS, não faço outra coisa que não seja ficar com a cara enfiada no mapa. Descobri ao longo da vida que mapa é um negócio que relaxa a gente. Cada louco com sua mania.

O grande compositor Chico Buarque, quando jovem, bancava o urbanista de brinquedo e ficava a desenhar mapas no papel de pão. A loucura, a insanidade e as artes parecem estar ali, meio cabeça-a-cabeça.

As cidades, vistas pelos mapas, possuem formatos interessantes. São Paulo tem um formato de cruxifixo. Belo Horizonte parece um ovo frito. Santos tem, dependendo da posição do carta, forma de uma cabeça de águia ou de uma vírgula.

Na cidade de Santos, há um pedaço dela que é chamada oficialmente de região dos morros. A parte elevada da cidade. Nova Cintra, São Bento, Jabaquara, Pacheco, Fontana, Caneleira, José Menino, Marapé, Saboó, Ilhéu Alto, Monte Serrat, Tiro Naval são alguns dos vários morros que a cidade possui. Onde Santos apresenta algum tipo de altitude.

No mais, Santos é uma perfeita tábua. Segundo especialistas, a superfície plana (a maior da ilha) não passa de 2m de altura.

Lembro da época em que visitava uma casa noturna na subida do morro da Nova Cintra chamada Reggae Night. Havia uma parte dela, uma espécie de belvedere, onde se podia ver a cidade toda. Coisa linda e inesquecível!

Talvez seja uma das cidades mais planas do país.  Num solo instável que só perde para a Cidade do México (daí a temeridade de se construir esses cânceres de 40 andares), quase todo ele feito de argila marinha, não é à toa que o município está localizado numa região chamada de Baixada Santista. Quem já desceu a serra num dia claro, num sol sem nuvens e neblina, e viu esse pedaço da região litorânea do estado, do Guarujá até Mongaguá, sabe do que estou falando.

No caso de uma tsunami, é, sem dúvida, uma terrível desvantagem. No mais, um forte apelo em sair de casa e ficar por aí. Uma das características daquele que é verdadeiramente santista é ficar mais tempo na rua do que em casa. Seja por conta do belíssimo cenário, da fauna agradável e singular, não precisa ser nenhum bidu para sacar que o santista é um povo outdoor, é um povo de ficar na rua, apesar de algumas cabeças coroadas e com muita grana insistirem e subverter essa vocação da cidade.

Santista que é santista volta para casa tarde da madrugada. Santista que é santista pula de bar em bar, de conversa em conversa, ouve alguém tocando ali, flerta um pouco mais adiante, conversa sobre política ou futebol duas quadras além e ainda se dá ao direito de uma saideira na primeira porta de esquina aberta até mais tarde.

Porque, em Santos, é possível caminhar distâncias consideráveis sem chegar botando as tripas para fora no local de destino. Experimente fazer isso numa cidade de montanha (já fiz isso e é fogo na roupa, já vivi essa experiência)? E quando a cidade está na meia-estação, bater perna sem hora para voltar é melhor do que orgasmo.

O santista anda de carro por lavagem cerebral do consumismo desenfreado. Dependendo dos hábitos do munícipe, dá para se levar a vida numa boa sem automóvel. Tanto que a própria prefeitura vem explorando essa característica e colocando ciclovias em lugares que o(a) querido(a) leitor(a) nem imagina! Em breve, ciclovias para todos os destinos da ilha. A topografia da cidade é um convite a se ter a bicicleta como melhor amiga.

Nada substitui conhecer o lugar onde se mora e vive a pé. E isso, em Santos, se faz com um pé nas costas. Assim, como nada substitui reunir-se com quem quer que seja pelos bares da vida, nas esquinas da cidade, indo daqui para ali, sem a escravidão dos coletivos ou dos IPVAs no começo de ano.

Apesar da onda de tentarem vender para nós, os santistas, de que o melhor é estar somente no aconchego do seu lar, discutindo filosofia, metafísica e a vertigem da altura em varandas gourmets, resistimos! Porque as varandas gourmets são pobres antros para a importância dos temas citados na frase anterior. Seus espaços de discussão estão nas mesas de bar, também. Entre um bar e outro, um percurso tremendamente possível a pé, ao sabor da caminhada, testemunhando em qual frequência de onda a cidade vibra.

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