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Publicado: Sábado, 28 de julho de 2012

A Margarida e a noite

A Margarida e a noite

Flor de pétalas miúdas e fétido odor. Deleite dos enamorados que fazem com ela adivinhações de bem ou mal quereres. Não sei se a flor deu nome à mulher, ou se dela o roubou. Acho que tanto faz.

O fato é que aquela Margarida vivia fincada num canto da neve. Ninguém sabia da sua chegada, tanto já se passara.
 
O sol de inverno arrastava para fora a vida e aquecia a flor – pálida e desenxabida emoldurada em branco.
 
Vinham o limpador de calçadas, os bonecos redondos, a guerra de bolas e as risadas infantis – viradas adultas e multiplicadas em choros de bebês.

Vinham os patins deslizantes, que rodopiavam em dias que não se faziam noites – que quando chegavam, lacravam as portas e janelas das casas.
 
Um tempo chegou em que a noite esqueceu de ir embora. O mundo ficou escuro e até a lua, assustada, se escondeu, deixando um grande vazio nos corações.
 
Os namorados não tinham mais o acalento da sua luz. Os amantes já não sussuravam segredos e  juras de amor. Dormiram o mundo e a Margarida.
 
Ventos cortantes e tempestades investiam contra o manto da noite que sequer se mexia. Um sono profundo apagou do Universo a existência da Terra. Dia veio em que a natureza calou seu clamor.
 
Lá de cima no céu, a lua espiou com um olho só, e um feixe de luz partiu como um raio sobre a vida latente. Portas rangeram nos gonzos e se abriram. Uma multidão sonolenta olhou para fora.
 
Envolta em noite, uma luminosa Margarida se erguia. Desapontada, a humanidade voltou a dormir.
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