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Publicado: Sábado, 26 de novembro de 2011

A lição da crise

A lição da crise
"(...) tão te maltradando por dinheiro."

É obvio que a crise econômica, potencializada na Europa e nos EUA, nos assusta. Só a possibilidade de perder o emprego ou não conter a falência do próprio negócio tem tirado o sono de muitos pais, responsáveis pelo sustento familiar.  A segurança financeira é elemento essencial para a conquista do equilíbrio emocional e, consequentemente, para manter a família estruturada e feliz. São muitas as histórias, todos nós conhecemos uma, de casamentos desfeitos em situações de crises financeiras. Não é fácil manter o bom humor e o afeto quando falta comida e conforto dentro de casa. Ainda assim arrisco as palavras a seguir.     

O que direi muito provavelmente seja recebido como ingenuidade ou ainda, e pior, como teoria utópica pelos doutores economistas. Realmente a economia não é assunto do meu domínio e confesso possuir pouca propriedade sobre o tema. Mas, como os demais cidadãos do mundo que leem jornais e assistem noticiários na TV, tenho pensado muito sobre o contexto atual e elaborado meu ponto de vista: a crise econômica não é de todo mal. 

Apesar da frustração e da dificuldade temporária em se adaptar a um estilo de vida desprovido dos excessos, o novo cenário econômico deve ser recebido como oportunidade de reorganização social. Já recebemos sinais claros de que o nosso planeta não resistirá ao consumismo irresponsável. E aqui faço uma pausa para lembrar Beto Guedes: “Terra! És o mais bonito dos planetas. Tão te maltratando por dinheiro. Tu que és a nave nossa irmã.” Mas voltando ao ponto, também já passou da hora de evitarmos despropósitos na distribuição de rendas, como salários milionários aos jogadores de futebol, patrocínios altíssimos ao Big Brother ou cachês incontáveis às supermodelos.     

O consumismo descontrolado e o excesso material roubam os espaços de afetos e nos passam a ilusão de que felicidade é um produto de consumo. Para entender melhor essa ideia, basta observar o comportamento dos nossos filhos mergulhados nos seus equipamentos eletrônicos e isolados do convívio familiar. Caso não haja determinação por parte dos pais para equilibrar essa tendência, o individualismo, que já é característica do comportamento humano, sobretudo na adolescência, será cada vez mais fortalecido pela desnecessidade da socialização. Em outras palavras: se cada um tem o seu computador, a sua televisão e o seu celular, não criamos situações que nos permitam compartilhar. É cada vez mais preocupante o silêncio e a solidão existentes entre pessoas que se amam e que vivem sob o mesmo teto. 

Por isso a crise econômica pode ser bem-vinda.  Somente diante dos problemas é que exploramos intensamente nossa capacidade intelectual e compreendemos o que de fato importa na vida. Todas as grandes descobertas surgiram das necessidades; da falta de alguma coisa...  A Itália ratificou essa ideia ao  desenvolver um dos melhores sistemas educacionais do mundo para a primeira infância. O programa de Educação Infantil de Reggio Emilia nasceu da destruição da 2º Guerra Mundial, pela união de pais desesperados por escolas que pudessem ensinar aos seus filhos que a vida deve cultivar valores e sentimentos; e que SER é mais importante que TER.   

Dessa forma, com um pouco de reflexão e bom senso, podemos sim replicar a lição italiana no contexto atual. Afinal, depois que tudo vai ao chão, só o que fica mesmo são os afetos que soubemos partilhar.   

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