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Publicado: Segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

A Imaculada Conceição na teologia e na história

Desde os tempos apostólicos, a Igreja veio proclamando Maria de Nazaré, Mãe de Deus e da Igreja, santa, santíssima e digna da missão que lhe foi confiada na história da salvação. As virtudes e a santidade da Virgem de Nazaré sempre foram celebradas pelos Padres e pela Igreja no Ocidente e no Oriente.

Entretanto, o título de Imaculada Conceição começa a difundir-se somente no início do segundo milênio da história cristã. No calendário da Igreja de Roma a festa da Imaculada liturgicamente era celebrada já em 1476. Em 1570 o Papa São Pio V mandou que a celebração da Imaculada fosse incluída no Ofício das Horas, o antigo Breviário, oração diária obrigatória para todos os presbíteros. Em 1708 a celebração da festa da Imaculada foi estendida por Clemente XI a toda a cristandade.

Santo Tomás de Aquino e os dominicanos do século XIII foram reticentes com relação ao dogma da Imaculada Conceição de Maria. Não conseguiram atinar como fosse possível conciliar esse privilégio mariano com a universalidade do pecado e da redenção operada por Cristo, fatos claramente proclamados nas cartas do Apóstolo Paulo e verdades sempre admitidas pela Igreja católica.

Foi o Beato John Duns Scotus, nascido na Escócia, franciscano, que no século XIII provou a compatibilidade de uma plena conciliação da crença na Imaculada Conceição de Maria, com a universalidade do pecado humano e da redenção realizada por Cristo na cruz, ao preço do seu sangue. Conhecido como o Doctor Subtilis, o teólogo franciscano provou não haver qualquer oposição entre o privilégio mariano, único, e as duas verdades dogmáticas lembradas há pouco. Maria de Nazaré deveria, como todos, ter sido concebida com o pecado original.

Também ela foi redimida, por antecipação, pelos sofrimentos de Cristo. Deus a preservou do pecado original porque isso era possível e conveniente quanto àquela que, em seu plano salvífico, viria a tornar-se a Mãe do Verbo Encarnado, o Filho de Deus, a quem daria a natureza humana. Maria foi, também ela, redimida pelos méritos infinitos de Cristo, Redentor de todos.

A saudação angélica “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (LC 1-28), proclamava não apenas que ela estava plena de Deus naquele momento, mas desde sempre. Portanto, desde a sua conceição. O outro texto bíblico que mereceu uma reflexão especial encontra-se no livro do Gênesis: “Porei inimizades entre ti (o demônio) e a mulher (uma nova mulher), entre a tua descendência (do demônio) e a dela (Cristo, novo Adão). Ambos esmagarão a tua cabeça e tu em vão armarás ciladas a seus pés” (3,15). Com certeza o célebre texto pronunciado por Javé nos albores da criação, após o pecado do primeiro casal humano, acena a uma nova mulher, nova Eva, vencedora do demônio e do pecado. Assim, como escreveu o Apóstolo Paulo: “Quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher” (Gl 4,4).

Como persistissem entre alguns teólogos incertezas e indagações, o Papa Pio IX decidiu-se, no século XIX, à proclamação do dogma da Imaculada Conceição de Maria. Ele o fez pela bula pontifícia “Ineffabilis Deus”. Prudente, o grande e sofrido Papa fez uma ampla consulta a todos os 603 bispos católicos daquele tempo, tendo 546 se posicionado favoráveis a favor da oportunidade da definição dogmática. Foi constituída pelo Sucessor de Pedro uma Comissão de altíssimo nível que, nos anos de 1852 e 1853, fez a primeira redação dos termos da referida bula, assinada e promulgada, vai para 150 anos pelo Beato Pio IX.

Eis o texto central e definitório do histórico documento, promulgado solenemente na Basílica de São Pedro em 08 de dezembro de 1854: “Após ter ofertado a Deus, sem interrupção, na humildade e no jejum, as orações particulares e públicas da Igreja, por meio do Seu Filho, para que se dignasse dirigir e sustentar a nossa mente com a virtude do Espírito Santo, após ter implorado o socorro de toda a corte celeste e ter invocado com gemidos o Espírito Consolador, por Sua inspiração, para a honra e glória da santa e indivisível Trindade, decoro e ornamento da Virgem Mãe de Deus, exaltação da fé católica e incremento da religião cristã, com a autoridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo, e nossa, declaramos e definimos a doutrina que sustenta que a Bem-Aventurada Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda a mancha do pecado original, foi revelada por Deus e, por isso, todos os fiéis devem assim crer, firme e inviolavelmente. Se alguém que Deus não permita, deliberadamente presumir pensar de modo diferente deste que estamos definindo, fique ciente e saiba estar se condenando por seu próprio juízo, estar naufragando na fé, separando-se da unidade da Igreja” (Conf. “Documentos de Gregório XVI e de Pio IX”, Editora Paulus, São Paulo, 1999, páginas 184 e 185).

Queira e permita Deus que a comemoração dos 150 anos da solene definição do dogma da Imaculada Conceição de Maria, além de alegrar a Igreja, todos os seus filhos e filhas, suscite no mundo, particularmente entre os jovens, em toda a sociedade, tempos novos, de maior pureza e dignidade, de menos erotismo e permissivismo moral. Nossos dias necessitam, realmente, da proteção e imitação da pureza de Maria Imaculada, Virgem, Mãe de Deus, da Igreja e dos homens.
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