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Publicado: Segunda-feira, 11 de maio de 2009

A Herança

Gisele perdera os pais muito pequena. Fora criada pelos avós e, quando estes também faleceram, foi morar com a Tia Angélica.
 
Tia Angélica era viúva, não tinha filhos e, praticamente, adotou a Gi. Foi para ela uma mãe como todas as outras, com suas qualidades e seus defeitos.
 
Gostava muito da sobrinha, mas não simpatizava com o Alex, namorado dela há doze anos, apesar dele se desmanchar em gentilezas com ela. Não podia ser frontalmente contra porque não sabia nada de concreto contra ele, mas tinha a intuição de que ele não era o marido ideal para a Gi e, astuta, arquitetou um plano para afastá-lo.
 
A família toda era pobre, mas a Tia herdara uma considerável fortuna do marido. Agora, já bem idosa, não tinha mais nenhum irmão vivo. Seus herdeiros legais eram os sobrinhos e os sobrinhos- netos.
 
Mas ela estava sempre falando em fazer um testamento. Gi argumentava:
- Para que isso Tia? Viva a sua vida despreocupadamente, gaste tudo o que quiser gastar e depois... quem ficar aqui que se vire.
- Nada disso! Eu quero fazer algumas restrições. Para o ramo do Mauro, por exemplo, não quero deixar nada.
 
O Mauro foi seu meio irmão, filho do segundo casamento do pai, casamento com o qual ela nunca concordou. Ela fizera brigas homéricas com a madrasta, nunca gostara do Mauro e estendia seu ódio aos seus filhos e netos.
- Não vou deixar nada para a Emília, também.
- Por que Tia? Coitada da Emília!
- Com aquele marido sem juízo dela, seria o mesmo que jogar dinheiro fora.
- Para o Carlos, também, não vou deixar nada. É um folgado, não trabalha, não estuda, se receber um dinheiro fácil, daí é que vai ficar vagabundo mesmo. 
 
E, assim, a cada dia ela se lembrava de alguém que tinha que excluir e ia modificando o rascunho do testamento.
 
Para você, Gi, vou deixar esta casa, assim não precisará sair daqui e poderá cuidar dos meus cachorros (8) até eles morrerem.
 
Gisele pensa:
- Pois sim! Quando ela morrer a primeira coisa que vou fazer é dar fim nessa cachorrada.
Mas, diz:
- Claro, Titia! Não é pelo valor (era uma magnífica mansão situada no mais valorizado bairro da cidade), mas porque foi a sua casa. Tem um valor sentimental para mim. E quanto aos cachorros, você sabe o quanto gosto deles.
 
Mas, não vamos falar de herança. Você ainda vai viver muito. É capaz de sobreviver a nós todos.
- Que nada! Eu estou no fim!
 
Realmente, ela não estava bem de saúde e a cada dia parecia mais aniquilada fisicamente, mas continuava lúcida e determinada em suas decisões, e ainda teve fôlego para ir até o tabelião e fazer o seu testamento.
 
Não quis contar para ninguém o teor do mesmo. Disse que preferia que tivessem a surpresa, mas que estava com a consciência tranqüila porque achava que tinha sido justa. A única coisa que sabiam é que a casa seria da Gisele.
 
Quando a Gi contou para o Alex que a casa seria dela, ele ficou exultante. Disse que, então, poderiam casar-se, pois tendo onde morar já ficava bem mais fácil.
 
Alex não parava de fazer planos para depois... Uma hora dizia que seria melhor vender a casa e investir o dinheiro. Outra hora achava que hipotecando-a poderia levantar uma boa grana.
 
- Será que além da casa você vai entrar na partilha dos outros bens?
- Não sei, Alex.
- Eu acho que ela devia deixar tudo para você, pois praticamente a adotou.
 
Apesar de concordar com ele, Gisele não se sentia muito bem vendo-o revelar-se tão interesseiro.
- Eu acho que ela tem o direito de fazer o que quiser com o que é dela.
 
Até que um dia ele veio com o mais arrojado de todos os planos. Eles podiam apressar essa herança... Ela estava tão velhinha, doente, a Gi podia dar um jeito de errar nos remédios...
 
Gisele se assusta:
- Não! Isso não! Não teria coragem!
 
Bem no fundo, até que ela desejava que tudo acabasse logo, mas não queria admitir isso, nem para si mesma. E nunca faria nada para apressar o desfecho.
 
O Alex não se conformava com o fato da Gi ficar tão envolvida com a Tia doente. Para passar uma noite fora, fazer uma curta viagem tinha que pedir para uma das primas ficar com ela. Se eram todas sobrinhas, por que só ela tinha obrigação? As outras, quando ficavam, estavam fazendo favor?
 
As primas protestavam:
- Ela vai herdar a mansão. É justo que cuide da Tia.
- E vocês? Não vão receber uma boa herança também?
- Ninguém sabe direito quanto vai dar. São tantos herdeiros. No fim é capaz de não dar grande coisa para cada um.
 
É claro que esses diálogos eram longe dos ouvidos da Tia. Perto dela cada um era mais gentil e desinteressado do que o outro.
 
E foi assim até o dia em que a Tia fechou os olhos para sempre.
 
No velório, a sobrinhada toda reunida, recebendo pêsames, mal podia disfarçar a ansiedade.
- Quando será que vão abrir o testamento? Cochicha Sabrina no ouvido da Ester.
- Não sei. Parece que tem um prazo...
- Será? Vamos perguntar para o Aristeu. Ele é advogado, deve saber.
- Não tem prazo. É só marcar o dia.
- Amanhã?
- Acho que n&atild
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