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Publicado: Quinta-feira, 16 de junho de 2005

A flor que eu não vi

Lembro de uma vez, quando estava viajando com o meu marido, acompanhando-o em um evento de negócios na Barra do Sauípe. Uma mistura de vida digital com vida natural.

Cheguei mais cedo ao restaurante, pois ele estava em um workshop, sem hora para terminar. Eu já estava na sobremesa, sentada na mesa mais perto da janela, quando ele chegou, todo atarefado. Em questão de minutos daria uma palestra. Sentou-se na mesa rapidamente, sem tempo para degustar o sabor daquela refeição. Comentamos como era bom estarmos ali e como era difícil conservar energia. Poucos minutos depois, ele saiu para sua palestra e eu continuei sentada, terminando de apreciar o meu almoço. Afinal, eu não tinha nenhuma palestra agendada e estava com todo o tempo à minha disposição. Coisa rara.

Quando estamos perto de alguém, muitas vezes sem perceber entramos no canal de energia dessa pessoa. Alguns têm o talento de arrebanhar outros. Outras pessoas são como esponjas, absorvem o invisível com uma força estonteante. Eu sou desse tipo: “esponja estonteante”.

Fiquei pensando na rápida conversa que acabáramos de ter, sobre a necessidade de aprender a conservar energia. Eventos sociais, pessoas que amamos, compromissos familiares e demandas infinitas fazem com que nossa energia se esvaeça, ficando sempre atrelada a obrigações. Não sabemos dizer não. Não conseguimos arranjar tempo para nós mesmos. Não temos coragem de não corresponder a uma demanda social ou familiar. A verdade é que não achamos que valemos o preço da nossa existência. E assim, nos resignamos. Aceitamos a condição de seres insignificantes.

Seres insignificantes são aqueles que se acham no direito de desprezar sua própria existência. Acham que sua vida vale menos do que um não verdadeiro. Agem como se sua vida valesse menos do que um tempo digno para dormir, comer, amar e se relacionar com o coração aberto. O ser insignificante é aquele que troca sua vida pelas tarefas a cumprir, vivendo para livrar-se do incômodo da vida. Esses seres insignificantes somos nós, quando esquecemos de olhar para o céu e admirar sua infinita magnitude e beleza, que espelha a imensidão de nossa alma adormecida.

Quando aceitamos o fato que o trabalho pode tomar o lugar da nossa essência, da nossa família, da nossa saúde, da nossa paz, estamos dizendo através de nossas ações que nossa vida não vale nada. Quando paramos de sentir o ar entrando em nossos pulmões, com sua força revigoradora, adormecemos de olhos abertos para a vida que pulsa em nós.

Seres insignificantes somos nós quando deixamos a nossa semente de vida encolhida em nossa dureza. A mesma dureza que nos faz acreditar que não valemos ser amados, aceitos e acolhidos pelo simples fato de estarmos vivos.

Insignificar é trair a alma, esquecer de Deus, morrer para dentro.

Temos todos o poder de resignificar e dar significado à nossa existência. Temos o dever de fazer dessa vida algo mais do que uma passagem sem sentido.Pensei em tudo isso naquele almoço, enquanto degustava vagarosamente a salada de frutas, depois que o meu marido saiu. Nesse instante, me assustei com a intensidade vermelha de uma flor que me olhava desde quando eu havia chegado, mas que por descuido eu não notei. Pensei em como é fácil passar pela beleza da vida sem perceber, mesmo quando ela se encontra exatamente embaixo do nosso nariz. Olhei para a flor, sorri, agradeci e saí do restaurante.

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