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Publicado: Terça-feira, 3 de maio de 2016

A figueira do Carmo

A figueira do Carmo

Estas lembranças decorrem de data longínqua.

Dois anos, os últimos, da segunda metade da década de quarenta.

De fato, a Praça da Independência, ricamente arborizada, de árvores sem dúvida centenárias. Comumente se referia o povo àquele logradouro, como alguns ainda o fazem, como Largo do Carmo.

Justamente no local em que hoje se ergue a estátua do fundador, Domingos Fernandes, ali exatamente existia uma das mais frondosas figueiras já vistas.

O emaranhado das longas raízes servia de assento para a criançada se acomodar. De semelhança, ela, com outra árvore irmã, que teima em permanecer ali, justamente num recanto do Largo do Quartel, a Duque de Caxias. Fica no triângulo extremo de canto esquerdo, quase a fazer esquina com a rua Domingos Fernandes e Benjamin Constant.

Pois bem.

Ali no Carmo, então, reuniam-se os menores com morada nas redondezas. Brincar de índio, uma rotina das mais constantes. As folhas enormes das figueiras, presas com palito de sorvete ou de fósforo, se transformavam em vestimentas de índios, cocais, chapéus e o que mais se relacione a esse folguedo. Influência direta do bang bang das sessões de cinema dos domingos à tarde, quando não do Cineminha do Carmo, ao lado da Igreja, sempre às segundas-feiras à noite.

Lembro-me, como se fora hoje, de um frequentador, a quem de vez em quando vejo, que, a liderar seu grupo, gesticulava como alguém que montasse a cavalo de um salto só, proclamando: temos que atacar aquela diligência. Inocência e pureza a caracterizar a vida serena e, dos adultos, o compadrio puro de outrora.

Deliciosos eram os sorvetes do então Bar Japonês, prédio agora transformado em estacionamento, este vizinho à residência do conhecido professor Firmino do Espírito Santo, de saudosa lembrança, atualmente uma casa de comércio.

Data desses tempos também a garbosa Associação Escoteira Nossa Senhora do Carmo, presidida pelo Frei Osvaldo Hedeman. Inacreditável o empenho e a disciplina daqueles que tiveram a felicidade de a ela terem pertencido. Muitos já deixaram o nosso convívio, mesmo assim, entre os remanescentes, cultiva-se o hábito de se cumprimentarem com a mão esquerda, porque próxima ao coração. Inclusive quanto ao detalhe de que os dedos das mãos se entrelacem ao mesmo tempo.

A minha farda, pequenina, se grande ainda não sou porque de estatura apenas mediana, cuida bem dela uma de minhas filhas e até uma foto dessa relíquia figurou numa das edições da revista Campo e Cidade. Enquanto a maioria adquiriu o uniforme em lojas do ramo, a minha, confeccionada com apuro por mamãe, mereceu o elogio do Frei, de tão perfeita. Como esquecer tal detalhe?

Essas e outras notas, de referência breve e compacta, figuraram ora uma ora outras, nas muitas crônicas do passado. E vale sim recordar sempre.

Não sei se existe lógica, mas, nos momentos em que a crônica semanal, trabalho ininterrupto de mais de meio século, menciona essas circunstâncias, ocorre um sentimento de saudade, entremeado de furtiva melancolia.

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